A primazia de São José sobre os demais santos
Qual explicação devemos dar quando dizemos que, após Nossa Senhora, São José é o primeiro a merecer nossa veneração?
Nota prévia da tradução: O texto a seguir foi publicado no periódico católico francês L’Ami du clergé, de 3 de março de 1921, então dirigido pelo Padre Antoine Rozier. A intenção do texto é expor a doutrina por trás da preeminência de São José sobre os demais santos (inclusive São João Batista e os Apóstolos), ou seja, uma explicação do porquê São José, após Nossa Senhora, é o maior de todos os santos do céu e a quem devemos a ‘protodulia’, ou seja, aquele a quem se deve a maior veneração após Nossa Senhora.
Questões de ciência eclesiástica
Consultas diversas
Questão - Na ocasião do cinquentenário, e antes da próxima festa de São José, o Ami poderia nos prover os fundamentos teológicos da devoção ao Santo Patrono da Igreja universal? Não seria o caso de fornecer algumas distinções a respeito da preeminência de São José e de delimitar o alcance do testemunho prestado por Nosso Senhor em favor de S. João Batista: “É o maior entre os filhos dos homens”?
Resposta - A própria ideia que a fé nos dá da missão confiada por Deus a São José na economia providencial do mistério da Encarnação constitui o fundamento teológico da nossa devoção ao Santo Patrono da Igreja universal. Para fixar melhor nosso pensamento, propô-lo de uma maneira maximamente clara aos nossos leitores e estabelecer de maneira sólida o valor teológico das nossas conclusões, começaremos por lembrar, à luz da fé, qual missão especialíssima São José recebeu de Deus em relação à Santíssima Virgem, em relação ao Menino Jesus e em relação ao próprio mistério da Encarnação. Uma vez assegurado esse fundamento, deduziremos daí a superabundância de graças que foi necessariamente garantida por Deus àquele que, após Maria, foi o mais unido a Jesus no cumprimento dos desígnios divinos sobre o mundo e, por isso mesmo, se resplandecerá, em toda sua verdade, a preeminência de São José em relação a todos os santos. Por fim, a missão cumprida por São José a respeito da adorável pessoa do Salvador, junto daquela preeminência que lhe corresponde em consequência da sua dignidade e fidelidade, explicará o patrocínio universal que a Igreja, que continua sobre a terra o mistério da Encarnação, busca na poderosa proteção de São José.
§1 - Os três objetos da missão de São José
Não constava no plano divino da Redenção dos homens uma manifestação repentina e impactante do mistério da Encarnação. A vida oculta do Salvador devia preceder sua vida pública; a obscuridade de Nazaré devia preparar as lutas, as manifestações e os triunfos de Jerusalém. Por quê? Porque Jesus, Filho de Deus, devia vir a nós despojado de uma majestade cujo resplendor assombrasse e desconcertasse os homens. Toda a economia da Redenção decorria dessa entrada humilde e discreta do Verbo divino no mundo.
Santo Tomás, explicando por que o nascimento de Jesus não foi manifestado a todos os homens, dá três razões que se relacionam a essa economia do plano divino da Redenção[1]. Uma manifestação impactante da vinda do Filho de Deus Sobre a terra teria impedido a redenção do gênero humano, que se cumpriu na Cruz: “se a tivessem conhecido, diz São Paulo, nunca teriam crucificado o Senhor da glória” (1Cor. II, 8). Ademais, uma manifestação esplendorosa do Salvador em sua divindade teria enfraquecido o mérito da fé, princípio da salvação de todos. E, por fim, o impacto mesmo de tal manifestação poderia ter trazido dúvidas sobre a realidade da natureza humana em Jesus e, por conseguinte, sobre a verdade de seus sofrimentos por nós. “Se não mudasse de idade, diz Santo Agostinho[2], passando da infância para a juventude; se não tomasse nenhum alimento e nem dormisse, não confirmaria assim uma opinião errônea e não estaria dando motivos para crer que de nenhum modo se fez verdadeiramente homem? E, após de ter feito tantos milagres, não teria tornado inúteis as riquezas da sua misericórdia?”. Era preciso, portanto, que o Filho de Deus feito homem realizasse plenamente o significado de seu nome: Emmanuel, “Deus conosco”. “O mais augusto dos sinais, diz admiravelmente Bourdaloue, que Deus havia prometido ao mundo para marcar o cumprimento do grande mistério da nossa Redenção era, segundo o relato de Isaías, que uma virgem conceberia um filho, e que esse filho seria Deus, mas não um Deus separado de nós, e nem elevado como Deus acima de nós, mas um Deus que desce até nós e que mantém conosco, mesmo mantendo-se Deus, uma relação íntima”[3]. Seria preciso que, tornado homem e conversando conosco, o Filho de Deus nos desse, como simples criança no ateliê obscuro de Nazaré, o exemplo de todas as virtudes, e mais particularmente a da humildade, da obediência e da submissão que as crianças devem aos seus pais segundo a carne.
Ora, o Verbo de Deus nasce de uma Virgem Mãe. Um nascimento tão inaudito não poderia ter deixado de atrair a atenção do mundo e de suscitar seu assombro, se Deus não tivesse antes de tudo enfatizado expressamente o caráter profundamente moral. Ele poderia ter suprido essa necessidade de maneiras extraordinárias; nada é impossível para Ele. Mas “convém, nós sabemos, à sua infinita sabedoria, empregar meios mais simples e mais suaves, antes de usar a força; e estava presente ali particularmente o que pedia a ordem dos seus desígnios acerca de seu Filho. Pois havia sido decretado (e nós acabamos de constatar a sabedoria desse decreto) que antes de se revelar ao mundo como o Messias prometido, como o Deus Salvador, Ele viveria longos anos na obscuridade de uma vida comum e oculta. Os livros apócrifos nos representam Jesus utilizando de milagres desde sua infância; mas o Evangelho só nos mostra um filho obediente e humilde artesão. Portanto, não era o esplendor dos prodígios que era necessário para proteger a Virgem e seu filho de suposições ultrajantes. Revelando a virgindade de Maria, teria se manifestado prematuramente a grandeza de Jesus. O que era preciso então para atingir simultaneamente esse triplo fim: a obscuridade para Jesus, uma reputação sem mancha para sua mãe e uma assistência dedicada para ambos? — O véu de um puro e santo matrimônio, e a união de um esposo virgem com uma mãe virgem”[4].
O ministério de São José, portanto, nos parece necessário no que diz respeito ao próprio mistério da Encarnação, na medida em que foi necessário permitir que Cristo nascesse e levasse antes de tudo uma vida oculta, segundo os desígnios da Providência, sem ferir a decência e a honestidade. São José, com o seu matrimônio com a Santíssima Virgem Maria, cobre a fecunda virgindade da Mãe de Deus, a infância do Deus Salvador e o segredo do mistério da Encarnação: eis o tríplice aspecto da missão providencial confiada por Deus ao Santo Patriarca José.
I. Missão de São José em relação à virgindade de Maria.
Que houve um verdadeiro matrimônio entre Maria e o justo José é uma verdade que emerge manifestamente do texto evangélico e não é possível negá-lo ou colocar em dúvida. S. Tomás notou[5] as conveniências deste matrimônio: a maternidade de Maria o exigia, pois era necessário que nenhuma suspeita surgisse, por menor que fosse à honra do Filho e a da mãe; também era necessário que, se alguma vez essa honra estivesse em questão, a testemunha mais autorizada e a menos suspeita estivesse presente para atestar sua integridade; Finalmente, era necessário que Jesus e Maria encontrassem ajuda para sua fraqueza.
O voto de virgindade não era, em Maria, como sem dúvida também em José, um obstáculo à licitude e mesmo à legalidade de seu matrimônio. Os teólogos explicam isso ensinando que o uso do matrimônio não é da integridade primária e não entra diretamente no objeto do contrato[6]. O caráter celeste do matrimônio de São José e da Santíssima Virgem consistiu em ter tido por objeto o dom mútuo de seus corpos para manter sua virgindade. E, no entanto, a propriedade própria do matrimônio, incluindo o filho, fruto da união do homem e da mulher, não faltava neste matrimônio sem igual. Ouçamos neste ponto o admirável Bossuet, no primeiro ponto de seu famoso panegírico de São José[7]:
“É aqui, diz, que é preciso vos representar um espetáculo que surpreende toda a natureza; refiro-me a esse matrimônio celeste, destinado pela Providência para proteger a virgindade, e dar por esse meio Jesus Cristo ao mundo. Mas quem tomarei por guia em tão difícil empreitada, senão o incomparável Agostinho, que trata este mistério tão divinamente? Ouvi esse sábio bispo, e segui exatamente seu pensamento. Ele destaca, antes de tudo, que há três vínculos no matrimônio. Há em primeiro lugar o contrato sagrado, pelo qual aqueles que se unem dão-se inteiramente um ao outro; há em segundo lugar o amor conjugal, pelo qual eles dedicam-se mutuamente em um coração que não é mais capaz de se dividir, e que não pode se acender com outras chamas; há enfim os filhos, que são um terceiro vínculo; porque, por assim dizer, encontrando-se o amor dos pais nos frutos em comum de seu matrimônio, o amor se liga por meio deles com um nó mais firme.
“Santo Agostinho encontra essas três coisas no matrimônio de São José, e ele nos mostra que tudo coopera para guardar a virgindade. Ele encontra ali em primeiro lugar o contrato sagrado pelo qual eles se doam um ao outro; e é aí que é preciso admirar o triunfo da pureza na verdade desse matrimônio. Pois Maria pertence a José, e José à divina Maria; de modo que seu matrimônio é verdadeiríssimo, porque eles se doaram um ao outro. Mas de que maneira eles se doaram? Pureza, eis aí seu triunfo. Eles doam reciprocamente sua virgindade, e sobre essa virgindade eles se cedem um direito mútuo. Que direito? O de se guardar um ao outro. Sim, Maria tem o direito de guardar a virgindade de José e José tem o direito de guardar a virgindade de Maria. Nem um e nem outro pode ter o próximo, e toda a fidelidade desse matrimônio consiste em guardar a virgindade. Eis as promessas que os unem, eis o tratado que os liga. São duas virgindades que se unem para se conservar eternamente uma à outra por uma casta correspondência de desejos pudicos; e parece-me que vejo dois corpos celestes que só entram em conjunção porque suas luzes se combinam. Tal é o vínculo desse matrimônio, tanto mais firme, diz Santo Agostinho, quanto mais invioláveis e santas são as promessas que eles mesmos se fizeram.
“Quem poderia agora vos dizer qual devia ser o amor conjugal desses bem-aventurados esposos?... É aí que o amor era todo celeste, visto que todos seus ardores e seus desejos tendiam somente à conservar a virgindade; e é fácil de entender. Pois diga-nos, ó divino José, o que amais em Maria? Ah! indubitavelmente não era a beleza mortal, mas aquela beleza escondida e interior, a qual a santa virgindade era seu principal ornamento. Era, portanto, a pureza de Maria que constituía o casto objeto de seus desejos; e quanto mais ele amava essa pureza, mais ele queria conservá-la, primeiramente em sua santa esposa, e em segundo lugar em si mesmo, por uma inteira unidade de coração; de modo que seu amor conjugal, desviando-se do seu curso ordinário, se entregou e se dedicou inteiramente a manter a virgindade de Maria...
“Mas parece-me vós estais surpresos de ouvir-me pregar com tanta certeza que Jesus é o fruto deste matrimônio. Nós compreendemos bem, direis, que o incomparável José é pai de Jesus Cristo através de seus cuidados; mas nós sabemos que ele não tem parte em seu bem-aventurado nascimento. Como então nos asseguraremos que Jesus é o fruto desse matrimônio? Isso pode parecer impossível: todavia, se vós lembrais de tantas verdades importantes que nós temos – parece-me – tão bem estabelecidas, espero que vós concordeis facilmente que Jesus, essa bendita criança, saiu, de alguma maneira, da união virginal desses dois esposos. Pois, caros fiéis, não dissemos que é a virgindade de Maria que atraiu Jesus do céu? Jesus não é essa flor sagrada que a virgindade fez brotar? Não é o fruto bem-aventurado que a virgindade produziu? Sim, certamente, nos diz São Fulgêncio, ‘ele é fruto, ele é ornamento, ele é o preço e a recompensa da santa virgindade: Sanctae virginitatis fructus, decus et múnus’[8]. É por causa de sua pureza que Maria agradou ao Pai eterno; é por causa de sua pureza que o Espírito Santo produz nela e busca seus amplexos para preenchê-la do germe celeste. E, por conseguinte, não se pode dizer que sua pureza a torna fecunda? Se é sua pureza que a torna fecunda, eu não temeria mais em assegurar que José tem parte nesse grande milagre. Porque se essa pureza angélica é o bem da divina Maria, ela é o depósito do justo José.
“Mas... a pureza de Maria não é somente o depósito, mas ainda o bem de seu casto esposo. A pureza lhe pertence pelo matrimônio: a pureza lhe pertence pelos castos cuidados pelos quais ele a conservou. Ó fecunda virgindade! se vós sois o bem de Maria, vós sois também o bem de José. Maria a dedicou e José a conserva; e ambos apresentam-na ao Pai eterno como um bem guardado por seus cuidados comuns. Como então ele tem tal parte na santa virgindade de Maria, ele recebe o fruto consequente dela: é por isso que Jesus é seu Filho, não, é verdade, pela carne; mas ele é seu Filho pelo espírito, por causa da aliança virginal que lhe une à sua mãe. E Santo Agostinho diz em uma palavra: “E por causa dessa fidelidade conjugal, ambos mereceram ser chamados de pais. Propter quod fidele conjugium, parentes Christi vocari ambo meruerunt”[9].
II. Missão de São José em relação à infância de Jesus Cristo.
Por este último desenvolvimento que Bossuet deu ao seu pensamento, nós chegamos ao segundo aspecto da missão de São José na realização do plano divino da Redenção. A infância de Jesus Cristo foi o segundo depósito sagrado confiado à sua fidelidade. A qual título o Menino Jesus lhe foi confiado? É o que convém agora esclarecer.
É preciso que lembremos antes de tudo que a criança não é somente o bem do matrimônio porque ela é engendrada pelos pais. Há aí somente um aspecto assaz material do fim do matrimônio. Com efeito, o matrimônio tem por fim imediato a conservação da raça. Ora, essa conservação comporta não somente a geração física da criança, mas também e sobretudo sua educação intelectual e moral. Seria pouco dar a vida a um ser racional se os pais não devessem se aplicar a aperfeiçoar esse ser, que é como o prolongamento de si mesmos, ou seja, a torná-lo digno do fim pelo qual todo homem é chamado à vida. Na verdade, a educação intelectual e moral é o fim especialíssimo do matrimônio. A criança, com efeito, pode nascer fora da união legítima dos pais, pela simples aproximação dos sexos. Se, ademais, podemos em última análise conceber uma organização social destinada à cuidar da vida material das crianças de uma mesma cidade ou de uma mesma nação e a lhe fornecer tudo o que é necessário à sua conservação e crescimento (uma tal instituição seria ademais contrária ao direito natural), por outro lado ocorre que é totalmente impossível de se representar a formação intelectual e moral das crianças deixadas aos cuidados da coletividade ou dos funcionários designados pela coletividade. A natureza das coisas exige que os próprios pais aperfeiçoem sua obra. A educação da criança, portanto, é o fim especialíssimo do matrimônio, sem o qual a criança pode nascer, mas fora do qual ela não poderia chegar à perfeição intelectual e moral a qual sua natureza humana lhe destina. É, portanto, muito mais porque o matrimônio é ordenado pela natureza (ou seja, pelo Criador) à educação da criança que se diz que ela é seu fruto, o bem da união conjugal. Uma criança adulterina, neste caso putativa, uma criança adotiva não poderia ser dita fruto ou fim da união de seus pais putativos ou adotivos. A natureza, com efeito, não lhe ordenou a união dos cônjuges. A criança nascida do matrimônio válido só pode ser considerada como o fim e o bem do matrimônio de seus próprios pais.
Ora, no matrimônio de São José e da Virgem Maria, por uma disposição especialíssima da Providência, o Menino Jesus foi o fruto da união virginal de dois castos esposos, não somente porque Ele foi o fruto da virgindade de Maria, que era o depósito e o bem de São José, mas ainda porque a união de Maria e de José era, nos desígnios de Deus, ordenada à educação do Homem-Deus. Não é muito dizer que São José é o pai putativo, ou o pai adotivo, ou o pai nutrício do Menino Jesus. Essas denominações, que encontramos indubitavelmente sob a pluma de muitos Padres da Igreja, não responde na realidade senão a uma verdade incompleta. Ouçamos novamente Bossuet explicar magnificamente, à sua maneira, a paternidade de São José em relação a Jesus:
“Jesus, a divina Criança sobre a qual São José sempre manteve os olhos, e que se tornou o amável tema das suas santas inquietações, nasceu sobre a terra como um órfão e jamais teve pai neste mundo. É por isso que São Paulo disse que ele é sem pai: sine patre (Heb. VII, 3). É verdade que Ele tem um no céu; mas ao ver como Ele O abandona, parece que esse Pai não O conhece mais. Ele se queixou um dia na cruz quando chamava seu Deus e não seu Pai: “Deus meu. Deus meu, porque me abandonaste?” (Mt. XXVII, 46). Mas o que Ele disse ao morrer, poderia dizer desde seu nascimento, visto que desde seu primeiro momento seu Pai lhe expôs às perseguições e começou a abandoná-Lo às injúrias. Tudo o que Ele fez em favor desse Filho único, para mostrar que não esquece, ao menos diante dos nossos olhos, foi colocá-Lo sob a guarda de um homem mortal, que viria a conduzir sua infância sofrida; e José é o escolhido para esse ministério. O que faria aqui esse santo homem? Quem poderia dizer com qual alegria ele recebe esse abandonado, e como ele se oferece de todo coração para ser pai desse órfão? Desde essa época, cristãos, ele só vive para Jesus Cristo, e não tem outro cuidado senão por Ele; ele próprio toma para esse Deus o coração e as entranhas de um pai; e o que ele não é por natureza, torna-se por afeição.
“Mas a fim de que vos estejais convencidos da verdade de tão grande mistério e tão glorioso para José, é preciso mostrar-vos pelas Escrituras, e para isso exporei uma bela reflexão de São João Crisóstomo. Ele aponta que em todas as partes no Evangelho José aparece como pai. É ele que dá nome a Jesus, como os pais faziam então; é somente ele que é avisado pelo anjo de todos os perigos do Menino, e é a ele que é anunciado o retorno. Jesus o reverencia e obedece: é ele que dirige toda sua conduta, na medida em que tem o múnus de ser seu cuidador principal; e em todas as partes ele nos é mostrado como pai. De onde vem isso? diz S. João Crisóstomo; aqui está o verdadeiro motivo. É porque, diz ele[10], era um conselho de Deus, de dar ao grande São José tudo o que pode pertencer a um pai sem ofender a virgindade...
“E primeiramente tenhamos por certo que é a santa virgindade que impede que o Filho de Deus, ao se tornar homem, escolha um pai mortal. Com efeito, vindo Jesus Cristo sobre a terra para se tornar semelhante aos homens, como Ele queria ter uma mãe, Ele não devia recusar, ao que parece, ter um pai assim como nós, e de se unir ainda à nossa natureza pelo vínculo dessa aliança; mas a santa virgindade se opõe a isso, porque os profetas haviam prometido que um dia o Salvador tornaria a virgindade fecunda; e como Ele deveria nascer de uma Virgem mãe, Ele não podia ter outro pai senão Deus. Por conseguinte, é a virgindade que impede a paternidade de José. Mas ela pode impedir até o ponto que José não tenha aí mais parte como pai, e que ele não tenha nenhuma qualidade de pai? De maneira alguma, diz São João Crisóstomo: porque a santa virgindade só se opõe às qualidades que a ofendem; e quem não sabe que há algumas qualidades no nome do pai que não se opõem à modéstia, e que ela inclusive pode admitir como suas? Os cuidados, a ternura e a afeição ferem a virgindade? Vede então o segredo de Deus, e a acomodação que inventou nessa discrepância memorável entre a paternidade de José e a pureza virginal. Ele compartilha a paternidade, e ele quer que a virgindade faça a partilha. Santa pureza, diz-lhe, vossos direitos serão conservados. Há algo no nome do pai que a virgindade não pode sofrer; vós não o teríeis, ó José! Mas tudo o que pertence a um pai sem que a virgindade seja ofendida, eis, disse, o que vos dou: Hoc tibi do, quod salva virginitate paternum esse potest. Por conseguinte, cristãos, Maria não conceberá de José, porque a virgindade lhe seria ofendida; mas José tomará parte com Maria nos cuidados, vigílias e inquietações pelas quais ele educará essa Criança divina; e ele sentirá por Jesus essa inclinação natural, todas as doces emoções e a suave prestatividade de um coração paterno”[11].
Essas afirmações se encontram resumidamente em Santo Tomás de Aquino, explicando como, por uma disposição especial da Divina Providência, o bem do matrimônio entre José e Maria foi verdadeiramente o menino Jesus: “A prole não é chamada de propriedade do matrimônio apenas porque é gerada pelo matrimônio, mas porque é acolhida e educada dentro do matrimônio. Desta maneira é que o bem deste matrimônio é sua prole, e não da primeira maneira. Porém, nem o nascido do adultério e nem o filho adotivo que se educa no matrimônio são propriedade do matrimônio, pois o matrimônio não é ordenado para a sua educação, ao passo que este matrimônio foi ordenado de forma especial para que esse descendente fosse acolhido e educado dentro dele”[12].
Como a paternidade de S. José é uma exceção e, consequentemente, escapa a toda classificação possível, é difícil dar-lhe um nome que lhe convenha perfeitamente; é mais fácil, afirma o Cardeal Billot[13], dizer qual nome não lhe convém para designar essa paternidade. O nome próprio, que exprime adequadamente o vínculo que une José a Jesus, nos escapa. A liturgia da Igreja, ademais, tenta no novo prefácio de S. José definir sua autoridade em relação ao Menino Jesus: “ut Unigenitum tuum... PATERNA VICE custodiret, para guardar, como se fosse Pai, o vosso Unigênito, concebido por obra do Espírito Santo”.
III. Missão de São José em relação ao mistério da Encarnação
O mistério da Encarnação, como dissemos, deveria ser mantido em segredo durante a vida oculta de Nosso Senhor, e ainda, para a proteção da virgindade de Maria e para a educação do divino Menino, era necessário que esse segredo fosse confiado ao homem escolhido por Deus para se tornar o Esposo da Bem-aventurada Virgem e exercer os direitos e os deveres da paternidade sobre Jesus. Ouçamos novamente Bossuet:
“Entre todas as vocações, destaco duas, nas Escrituras, que parecem diretamente opostas: a primeira, que é a dos apóstolos; e a segunda, que é a de José. Jesus é revelado aos apóstolos e é revelado a José, mas em condições contrárias. Ele é anunciado aos apóstolos para ser anunciado a todo o universo; Ele é revelado a José para que este se cale e O esconda. Os apóstolos são luzes para mostrar Jesus Cristo ao mundo; José é um véu para cobri-Lo; e sob esse véu misterioso escondem-se a virgindade de Maria e a grandeza do Salvador das almas.
“O que quer dizer essa diferença? Que Deus é contrário a si mesmo em suas vocações opostas? Não..., toda essa diversidade tende a ensinar aos filhos de Deus essa verdade importante: que toda a perfeição cristã não consiste senão em se submeter. Aquele que glorifica os apóstolos pela honra da pregação glorifica também a S. José pela humildade do silêncio... Não me perguntais então, caros cristãos, o que fazia S. José em sua vida oculta: é impossível que eu vos faça conhecê-lo, e eu não posso responder outra coisa senão o que diz o divino Salmista: “Que pode fazer o justo? Justus autem quid fecit?” (Sl. X, 4). Ordinariamente, a vida dos pecadores faz mais barulho que a dos justos; porquanto o sentido e as paixões são as coisas que agitam o mundo... Mas o justo, o que fez? Ele (Davi) quer dizer que não fez nada. Com efeito, ele não fez nada para os olhos dos homens porque tudo fez para os olhos de Deus. É assim que vivia o justo José; ele via a Jesus e se calava; desfrutava Dele e nada falava; contentava-se com Deus somente, sem compartilhar sua glória com os homens. Ele cumpria sua vocação, pois, assim como os apóstolos são os ministros do Jesus Cristo descoberto, José era o ministro e companheiro de sua vida oculta”[14].
E porque Cristo, Homem-Deus, só deveria levar uma vida oculta por um tempo, era preciso que José, ministro e companheiro dessa vida oculta, depositário do segredo no qual estava encerrado o mistério da Encarnação do Filho de Deus, desaparecesse do palco do mundo antes que a palavra do céu revelasse ao filho de Zacarias no deserto a presença do Messias prometido e anunciado. Ademais, na própria obscuridade que havia cercado sua vida, José, continuando até o fim de sua missão sublime, entregou sua alma a Deus antes que Jesus Cristo se manifestasse aos homens como Homem-Deus. Assim, sendo levantado o véu que cobria o mistério da Encarnação, os homens puderam aos poucos se habituar a conceber Cristo sem um pai segundo a carne.
§2. — Santidade de José: sua preeminência sobre todos os outros santos
O princípio fundamental que deve dirigir todas as nossas deduções é aquele mesmo que expôs Santo Tomás a respeito da abundância de graças que foi preenchida a alma de Nosso Senhor Jesus Cristo e a alma da Bem-aventurada Mãe: “Aqueles que Deus escolhe para algum fim, ele os prepara e dispõe, para serem idôneos ao fim para que foram escolhidos: quod illos quos Deus ad aliquid eligit, ita praeparat et disponit ut ad id ad quod eliguntur inveniantur idonei”[15]. Esse princípio tão curto é de uma certeza e fecundidade maravilhosas. Em posse desse princípio, o Santo Doutor fez uma aplicação à santidade tanto de Jesus como de Maria. “A cada um Deus dá a graça conforme aquilo para que é escolhido. E como Cristo, enquanto homem foi predestinado e escolhido para que fosse, no dizer do Apóstolo, predestinado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santificação, era-lhe próprio ter uma plenitude de graça tal que redundasse para os outros, conforme aquilo do Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude. A Santa Virgem Maria, porém, obteve a plenitude de modo a ser a mais chegada ao autor da graça; de maneira que recebesse em si o que é a plenitude de todas as graças e, dando-o a luz, a graça em algum sentido derivasse para todos”[16].
E a eleição feita por Deus não poderia ser em falso, visto que ela é absoluta. Aqueles que Deus elegeu para uma dignidade, também Deus os tornou apropriados a cumpri-la[17]. Na ordem da natureza, Ele dotou cada um dos seres que compõem essa ordem com todas as faculdades e todos instintos necessários para buscar seu destino. E poderíamos suspeitar que fosse menos liberal e menos sábio na ordem da graça? Assim, portanto, as escolhas de Deus não podem enganar suas previsões e nem suas esperanças[18].
Desse princípio geral podemos deduzir: 1º com certeza, a abundância das graças pela qual foi preenchida a alma perfeita de São José e 2º com uma grandíssima probabilidade a preeminência desse grande santo em relação a todos os demais.
I. Superabundância de graças e de perfeição na alma de São José.
A graça nos destina à união com Deus. Será preciso lembrar essa verdade, inscrita na Sagrada Escritura e tão frequentemente comentada pelos Padres e pelos teólogos? A graça nos ordena à união divina, porque, em primeiro lugar, por meio da Graça Deus age em nós de maneira a nos tornar mais semelhantes a Ele, divinae naturae consortes, diz S. Pedro (2Pd. I, 4), deiformes, repetem incessantemente os Santos Padres. A presença divina inunda a alma ornada pela graça, e não somente com essa presença comum a todos os seres, mas com uma presença especial e transformadora da alma, que a eleva cada vez mais à perfeição sobrenatural de Deus. É a habitação do Espírito Santo nas almas dos justos; são as missões invisíveis e constantemente renovadas do Filho e do Espírito Santo na alma atraída e vivificada pela fé e pelo amor. Em seguida, e por via de consequência, é a ação mesma das nossas faculdades transformadas e elevadas pela graça que nos aproxima sem cessar de Deus: ação esta que se origina na virtude da caridade, que é forma e perfeição de todas as outras virtudes. Gratia conjungit nos Deo per modum assimilationis: sed requiritur ut uniamur ei per operationes intellectus et voluntatis, quod fit per charitatem[19].
Em uma alma, a graça é então tanto mais abundante quanto mais essa alma estiver mais intimamente unida a Deus na ordem sobrenatural, que veio restaurar aqui em baixo Jesus Cristo em nós.
A alma que recebeu a plenitude perfeita de graça que comporta a ordem presente da divina Providência é a alma de Nosso Senhor. Por causa da união substancial que elevava a humanidade do Salvador até ao ser, e inclusive à vida mesma do Verbo de Deus, era exigida nessa alma a união mais perfeita possível de se realizar entre uma criatura e Deus segundo a afinidade e a operação: “A graça é causada no homem, diz Santo Tomás, pela presença da divindade, assim como a luz no ar pela presença do sol. Assim diz o livro do profeta Ezequiel: ‘E eis que do oriente chegava a glória do Deus de Israel, e a terra resplandecia com sua majestade’. Ora, a presença de Deus em Cristo entende-se segundo a união da natureza humana à pessoa divina. Portanto, a graça habitual de Cristo é consequente a essa união como o esplendor ao sol”[20].
A Santíssima Virgem foi igualmente, na medida em que convém à Mãe de Deus, “cheia de graça”. Após a união hipostática, pela qual a natureza humana tornou-se a natureza e um Deus, não se pode imaginar união mais íntima que aquela de Maria e do Filho de Deus, a Virgem comunicando ao Verbo de Deus, seu Filho, a natureza humana e tornando-se por isso sua Mãe.
Em Maria, a maternidade divina é vista como um requisito moral da plenitude da graça que, na ordem atual da Providência, deveria ser compartilhada pela Mãe de Deus. Em Maria, a graça está para a maternidade divina como em Jesus a união hipostática está para a graça de Deus, pois Jesus é “o bendito fruto do vosso ventre”. Maria é “cheia de graça e bendita entre todas as mulheres”. “Quanto mais próximo está alguém do princípio, seja qual for o gênero, diz o Doutor Angélico, mais participa de seu efeito... Ora, Cristo é o princípio da graça: como autor, por sua divindade; como instrumento, por sua humanidade. Por isso diz o Evangelho de João: ‘A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo’. Ora, a Bem-aventurada Virgem Maria foi a que esteve mais próxima de Cristo segundo a humanidade, pois foi dela que Cristo recebeu a natureza humana. Eis por que ela tinha de obter de Cristo uma plenitude de graça maior do que as outras pessoas”[21].
Quem não vê imediatamente a conclusão que se tira dessas verdades a respeito de São José? Lembremo-nos de sua missão e os direitos que essa missão lhe conferia em relação à maternidade virginal de Maria, ao Menino-Deus e ao mistério mesmo da Encarnação. Na intimidade da sagrada família, o direito de esposo, o direito de pai, o direito de guardião vigilante e fiel estabelece, entre S. José e Deus, uma relação tão estreita, que não se pode encontrar algo parecido entre os outros santos, e que parece colocar S. José, na ordem da união com Deus, imediatamente após a Virgem Maria. Qual devia então ser a graça preparada e conferida por Deus ao homem eleito entre todos, encarregado de conduzir e proteger o Verbo de Deus, feito homem para a salvação dos homens, ou seja, para a restauração do Reino da graça entre os homens? “Se os príncipes da terra têm tanto cuidado (por ser algo tão importante) em dar aos seus filhos um preceptor que seja dos mais capazes, e visto que Deus podia fazer que o preceptor de seu Filho fosse o mais realizado em todas as perfeições, conforme a dignidade e excelência da coisa governada (que no caso era seu gloriosíssimo Filho, Príncipe universal do céu e da terra), como seria possível que, tendo a possibilidade de fazer isso, Ele não o quisesse e não o tenha feito? Portanto, não há dúvida de que a São José tenha sido dado todas as graças e dons merecidos pelo cargo que o Pai eterno desejava lhe dar”[22]. Qual devia ser então a graça preparada e conferida por Deus ao homem eleito entre todos para ser esposo e guardião vigilante da virgindade fecunda de Maria, no amor mais ardente da virtude! “Oh, que união divina entre Nossa Senhora e o glorioso São José! Uma união que garantiu que esse Bem dos bens eternos, que é Nosso Senhor, fosse e pertencesse a São José como ele pertencia a Nossa Senhora; não de acordo com a natureza que Ele havia tomado do ventre de nossa gloriosa Senhora, que é uma natureza que havia sido formada pelo Espírito Santo a partir do puríssimo sangue de Nossa Senhora, mas de acordo com a graça que o fez participante de todas as atividades de Nossa Senhora... e que o fez crescer maravilhosamente em perfeição; E foi através da comunicação contínua que ele teve com Nossa Senhora, que possuía todas as virtudes em um grau tão elevado que nenhuma outra criatura pura poderia alcançá-las; no entanto, o glorioso São José foi o que mais se aproximou delas. E assim como vemos um espelho de frente para aos raios do sol receber seus raios muito perfeitamente, e outro espelho de frente para aquele que os recebe, embora este último espelho tome ou receba os raios do sol apenas por reverberação, ele os representa tão puramente que dificilmente poderíamos julgar qual os recebe imediatamente do sol, se é aquele que está de frente para o sol ou aquele que os recebe apenas por reverberação; O mesmo acontecia com Nossa Senhora, que era como um espelho puríssimo de frente para os raios do Sol da justiça, raios estes que traziam em sua alma todas as virtudes em sua perfeição, e essas perfeições e virtudes se refletiam tão perfeitamente em São José, que quase parecia que ele era tão perfeito ou que tinha as virtudes em um grau tão elevado como a gloriosa Virgem Nossa Senhora”[23].
Leão XIII, na encíclica Quamquam pluries, de 8 de agosto de 1889, confirma essa razão teológica na santidade de São José:
“[José] é esposo de Maria e pai putativo de Jesus Cristo. Daqui derivam toda a sua grandeza, graça, santidade e glória. Sabemos que a dignidade da Mãe de Deus é altíssima e que não pode haver uma maior. Mas dado que entre a beatíssima Mãe de Deus e São José existe um verdadeiro vínculo matrimonial, é também certo que São José, mais que qualquer outro, se aproximou daquela altíssima dignidade que faz da Mãe de Deus a criatura mais excelsa. De fato, o matrimônio constitui por si mesmo a forma mais nobre de sociedade e de amizade, e traz consigo a comunhão dos bens. Portanto, se Deus deu José como esposo a Maria, deu-o não só como companheiro de sua vida, testemunha de sua virgindade e tutor da sua pureza, mas também como participante – por força do vínculo conjugal – da excelsa dignidade da qual ela foi adornada”[24].
Seria permitido acrescentar a essas sólidas razões uma indicação mais particularmente relacionada ao papel vivido por São José no que diz respeito ao mistério mesmo da Encarnação? São José foi, durante a vida escondida de Nosso Senhor, pleno guardião de fé e discrição. A esse papel, então terminado, seguiu-se um outro não menos glorioso, e que logo estudaremos, que foi o de protetor da Igreja, daquela Igreja que continua sobre a terra o mistério da Encarnação. Ora, se Jesus Cristo, como cabeça da Igreja, deve ter a plenitude de graça que convém ao chefe, plenitude “da qual todos nós recebemos”; e se a Santíssima Virgem, enquanto Mãe dos homens, recebeu uma graça mais perfeita que a das demais criaturas, porquanto “ela deveria, de certa maneira, retransmitir a graça sobre a humanidade inteira”; não poderíamos igualmente afirmar que o papel de protetor da Igreja constitui, para São José, um título de superabundância excepcional de graças? “Deus, diz com razão o Pe. Lépicier em seu belo tratado De sancto Joseph[25], havia predestinado São José para ser patrono da Igreja. Ora, o patrono deve necessariamente possuir uma certa preeminência sobre aqueles que protege. Portanto, a predestinação dos outros santos depende de alguma maneira àquela de São Jose, na medida em que este, em um grau certamente inferior ao de Jesus e Maria, deveria ser o tipo e a causa dessa predestinação dos santos”.
II. Preeminência de S. José sobre os demais santos.
É a conclusão imediata e lógica que tudo o que acabamos de dizer acerca da eminente santidade de José nos permitia pressentir que São José, após a Santíssima Virgem, foi a criatura mais unida a Jesus, e essa união excepcional é advinda de uma missão excepcional que não foi confiada a nenhum outro santo, e que se relacionava ao mistério mesmo do Autor da graça. Daí segue-se logicamente a conclusão de que, após a alma de Jesus e Maria, a alma de S. José foi a alma mais favorecida pelo dom sobrenatural da graça santificante.
Mas essa mesma preeminência apresenta algumas dificuldades que pedem convenientemente que se indique uma solução. É este inclusive o aspecto particular sob o qual se apresenta a questão teológica da preeminência de S. José[26].
a) S. José e S. João Batista. — Uma primeira dificuldade que se apresenta é a respeito de S. João Batista, onde Nosso Senhor mesmo diz: “Amen dico vobis, non surrexit inter natos mulierum major Joanne Baptista. — Na verdade vos digo que entre os nascidos das mulheres não veio ao mundo outro maior que João Batista” (Mt. XI, 11). Se o santo Precursor foi proclamado por Jesus “o maior dentre aqueles nascidos das mulheres”, não seria ele então o maior dos santos? Assim pensaram alguns Padres da Igreja e alguns padres da Escritura. S. Cirilo de Alexandria em particular exalta a virtude e a santidade de S. João Batista[27]. Santo Agostinho, por sua vez, não hesita em dizer que “se alguns santos foram semelhantes a João, nenhum deles, por causa da palavra de Nosso Senhor, pode lhe ser superior”[28]. Mesma ou similar interpretação de Dionísio Cartuxo, Maldonado, Jansênio, João da Silveira, Barradas, Tirin, etc. — Mas tal exegese está evidentemente fora do sentido do presente texto. A frase que se segue indica-o claramente: “qui minor est in regno caelorum, major est illo — Entretanto, o menor no reino dos céus é maior do que ele”. Trata-se aqui, no espírito de Nosso Senhor, de comparar a Antiga Lei ao reino dos céus, que é o reino messiânico no qual a Igreja aqui na terra representa sua primeira fase, e no qual a sociedade dos eleitos no céu representa a consumação na eternidade. Jesus, tendo elogiado seu Precursor que, enquanto Precursor do Messias, não pode ser comparado a nenhum homem, acrescenta, lançando uma consideração sobre o reino futuro que estabelecerá sobre a terra, “que mesmo os membros inferiores de sua Igreja ou, em outros termos, o menor dentre os cristãos está acima de São João Batista, qualquer que seja então a grandeza do Precursor. Eis aí uma verdade fácil de demonstrar. Sem dúvidas São João Batista é o paraninfo, mas a Igreja, da qual os cristãos fazem parte, é a esposa mesma de Cristo. O cristianismo nos colocou sobre um plano mais elevado que aquele do judaísmo: os membros do Novo Testamento então estão acima dos membros do Antigo Testamento, assim como a Nova Aliança prevalece sobra a Antiga”[29]. É portanto enquanto último representante da Lei Antiga, da qual ele é o último profeta, que João é proclamado o maior dos homens: seu valor pessoal, sua santidade e suas virtudes individuais são indiscutíveis[30]; com a maior parte dos comentadores, é preciso reconhecer que aqui Jesus Cristo fala de João Batista apenas em função de sua missão profética, que fecha o Antigo Testamento e anuncia o Novo[31].
O texto paralelo de São Lucas (VII, 28) consolida ainda mais essa interpretação: “Porque eu vos digo: Entre os nascidos das mulheres, não há maior profeta que João Batista; porém, o que é menor do reino de Deus é maior do que ele”. Ainda que a palavra “profeta” seja talvez apócrifa aqui (com efeito, falta em muitos dos importantes manuscritos e em algumas versões orientais), esta palavra, aceita na Vulgata, testemunha pelo menos o sentido que a Igreja atribui a essa passagem de S. Lucas: deve-se ver aí, diz o Cardeal Billot[32], uma comparação que diz respeito não à santidade pessoal, mas à diferença de condições.
Acrescentemos, porém, que não é proibido afirmar que o louvor à santidade de João Batista pode muito bem ter feito parte das intenções de Nosso Senhor. “Pode-se conceder, concluía o artigo do periódico Ami du Clergé em um estudo dessa questão (1912, p. 218), que sem nada determinar de uma maneira estrita e rigorosa sobre o grau de santidade de S. João Batista, a maneira a qual Nosso Senhor fala do Precursor nessa ocasião e sobre esse ponto não é desprovida de significado: os calorosos louvores de Jesus a São João Batista atestam suas desenvolvidas virtudes e eminente santidade. Também a Tradição cristã pôde legitimamente extrair dessa passagem do Evangelho (cf. Lc. I, 15; erit magnus coram Domino) a profunda estima que confessou em relação a São João Batista; mas seria ir além do que se pretende deduzir daí a absoluta preeminência em santidade de S. João e concluir a inferioridade de S. José”[33].
b) São José e os Apóstolos. — Se a palavra do divino Mestre suscita uma dificuldade em relação a São João Batista, duas afirmações de São Paulo, na Epístola aos Romanos e na Epístola aos Efésios, suscitam outra, que agrava ainda mais o comentário de S. Tomás.
Na Epístola aos Romanos (VIII, 23), o Apóstolo afirma “ter recebido”, com os seus companheiros de apostolado, “as primícias do Espírito Santo”. Embora hajam várias observações a se fazer, várias nuances a trazer para essa tradução, somos obrigados a mencionar o comentário que Santo Tomás nos deixou sobre este versículo. Depois de ter recordado que estas “primícias” do Espírito Santo implicam-se aos Apóstolos, que são os beneficiários de uma prioridade sobre os fiéis, não apenas em relação ao momento em que os dons do Espírito Santo foram recebidos, mas também quanto à própria abundância dos favores recebidos, o Doutor Angélico conclui que “os Apóstolos têm uma preeminência de graça sobre todos os outros santos, sejam eles quais forem”. E ainda, repetindo ex professo sobre esse assunto o ensinamento da Suma no qual acabamos de nos apoiar para demonstrar a superabundância da graça concedida por Deus a São José, ele coloca os Apóstolos imediatamente depois da Santíssima Virgem:
“A cada um, disse, é dada uma graça proporcional à função para a qual Deus o escolheu. À humanidade de Cristo foi, portanto, dada a graça mais excelente, precisamente em razão da escolha que Deus fez desta humanidade de uni-la à pessoa divina. Depois de Jesus, Maria obteve a perfeita plenitude da graça, porque estava destinada a tornar-se Mãe de Cristo. Dentre todos os outros, os Apóstolos foram eleitos para a maior dignidade, destinados a receber imediatamente de Cristo tudo o que deveriam transmitir aos outros em vista da salvação: são os fundamentos da Igreja... Por isso Deus lhes conferiu, preferencialmente a todos os outros, uma maior abundância de graça.”[34]
Santo Tomás, restringindo igualmente aos Apóstolos a afirmação de São Paulo sobre a superabundância de graça mencionada em Efésios I, 8, declara peremptoriamente que se deduz dessas parábolas “que os Apóstolos receberam uma graça mais abundante do que todos os outros santos, depois de Cristo e da Virgem Mãe”. Além disso, entendemos por isto, diz ele, “a temeridade, para não dizer o erro, daqueles que têm a presunção de comparar outros santos aos Apóstolos, tanto na ordem da graça como na ordem da glória”[35].
Na Idade Média, o culto a S. José ainda não havia saído das sombras onde, por um desígnio expresso da Providência que será explicado em breve, ainda era mantido na Igreja. Portanto, não é surpreendente que S. Tomas não tenha levado em conta a alta missão confiada a São José e justificado sua preeminência, mesmo em relação aos Apóstolos. O Doutor Angélico parece também falar dos Apóstolos em comparação aos santos que vieram depois deles na Igreja. Na exposição do texto da Epístola aos Romanos diz: “Spiritum Sanctum et tempore prius et ceteris abundantius Apostoli habuerunt” [Os Apóstolos tiveram anteriormente e mais abundantemente o Espírito Santo do que os demais]; e, na Epístola aos Efésios, se confessa “que é temerário comparar outro santo aos Apóstolos”; precede essa conclusão com o texto emprestado da Epístola aos Romanos, acompanhado da glosa: “tempore prius, et ceteris abundantius”. Ainda não havia chegado o momento em que a nobre figura de S. José emergiria da semi-obscuridade em que a piedade até então a mantivera.
Mas, se considerarmos apenas o argumento de S. Tomás, e deixarmos de lado a sua conclusão um tanto absoluta, podemos facilmente deduzir a preeminência de S. José, até mesmo sobre os Apóstolos. Sendo a missão de São José de ordem mais elevada que a dos Apóstolos, exigia, em virtude do princípio estabelecido pelo Anjo da Escola, uma maior superabundância de graças.
Suárez[36] parece ter deixado essa diferença bem clara: “Certos ofícios, escreve, pertencem à própria ordem da graça santificante, e nisso os Apóstolos detêm o mais alto grau: por essa razão, eles precisavam de mais ajuda gratuita do que os outros, especialmente no que diz respeito aos dons e à sabedoria dados gratuitamente. Mas há outros ofícios que encerram-se na ordem da união hipostática, em si mais perfeitos, como vemos claramente na maternidade divina da bem-aventurada Virgem Maria, e é a esta ordem de ofícios que pertence o ministério de S. José”. Sem querer tirar conclusões absolutas, o grande teólogo da Companhia de Jesus “considera que não é temerário e nem ímpio, mas ao contrário, que é uma opinião piedosa e crível, considerar S. José como o primeiro dos santos na graça e na bem-aventurança”. Gerson, que tanto fez no século XIV para expandir o culto a S. José, não hesitou em assumir, ainda mais resolutamente que Suárez, a posição que acabamos de descrever: “Quanto, disse[37], deve ser elevado à glória no céu o justo José, que já era tão perfeito e tão grande nas misérias desta terra! Certamente, se Jesus não mentiu quando disse: ‘onde eu estou, estará ali também o que me serve’ (João XII, 26), S. José deve estar muito próximo de Jesus no céu. Ele que, pelo seu ministério junto a Cristo na terra, foi, depois de Maria, o mais próximo, o mais obediente e o mais fiel”.
A preeminência de S. José foi abertamente professada não apenas por Gerson, mas também por S. Bernardino de Sena em um texto que poderia servir de tema para toda a teologia de S. José, e que relataremos aqui no original, por medo de enfraquecer o seu significado e alcance por uma tradução insuficiente: “Si compares eum ad totam Ecclesiam Christi nonne iste est homo electus et specialis, per quem et sub quo Christus est ordinate et honeste introductus in mandam? Si ergo Virgini Matri tota Ecclesia sancta debitrix est, quia per eam Christum suscipere digna facta est, sic profecto post eam huic debet gratiam et reverentiam singularem”[38]. Será preciso lembrar que essa também era a doutrina de Santa Teresa, São Francisco de Sales e Santo Afonso de Ligório, para citar apenas os mais famosos e devotos admiradores do grande São José? Não ficamos surpresos, portanto, ao ouvir do próprio Leão XIII que a própria Igreja estava cada vez mais compartilhando dessa opinião: “Certamente, escreveu o pontífice na encíclica Quamquam pluries, a dignidade da Mãe de Deus é tão elevada que nada acima dela pode ser criado. Mas, no entanto, como José estava unido à Santíssima Virgem pelo vínculo do matrimônio, não há dúvida de que ele se aproximou mais do que qualquer um daquela dignidade suprema pela qual a Mãe de Deus supera de longe todas as naturezas criadas”. Se quisermos compreender estas últimas palavras no seu sentido pleno, teremos que concluir que a preeminência de S. José não só sobre todos os santos, mas também sobre todos os anjos. Embora nenhuma afirmação explícita da Tradição católica venha corroborar esta interpretação, parece, no entanto, provável que possamos logicamente levar as nossas conclusões até agora. Por que São José não teria sido chamado para ocupar, na glória do céu, o lugar (que ficou vago desde a rebelião dos anjos) de Lúcifer, o mais belo, o mais perfeito e, por assim dizer, o primeiro de todos os espíritos angélicos?[39]
III. Detalhes sobre a preeminência de S. José.
A tese da preeminência de São José é, portanto, apresentada com garantias de séria probabilidade. Podemos até afirmar que, cada vez mais, ela tende a se tornar a doutrina comumente recebida na Igreja. As declarações de Leão XIII sobre este ponto são particularmente sugestivas. Mas esta mesma preeminência suscita um certo número de problemas subsidiários que os teólogos, desejosos em promover o culto de S. José, se esforçam por penetrar. É pela sua missão para com Jesus que São José deve ter recebido de Deus essa superabundância de graças que lhe assegura a preeminência em relação aos demais santos. Mas não é uma razão análoga, embora mais premente, – a maternidade divina – que leva a Igreja a designar à Santíssima Virgem toda uma série de privilégios, vários dos quais são definidos como de fé divina e católica: Imaculada conceição, Virgindade perfeita, impecabilidade, participação ativa na Redenção humana, uma morte cujo princípio é o amor e cujo defeito é imediatamente corrigido por uma ressurreição e uma gloriosa Assunção? Se devemos, portanto, afirmar com Leão XIII que José, ao tornar-se esposo da Virgem, tornou-se “participante da sua sublime dignidade”, não podemos perguntar-nos até que ponto ele pôde participar nos privilégios da sua admirável esposa?
a) Em primeiro lugar, é de se perguntar se a preeminência de S. José não lhe rendeu um privilégio em relação ao pecado original. Não se trata, obviamente, de uma imaculada conceição, já que a Imaculada conceição foi concedida a Maria por um privilégio único, singulari omnipotentis Dei gratia et privilegio, proclamado por Pio IX na bula Ineffabilis. Perguntamos, simplesmente, se Deus não concedeu ao esposo da Santíssima Virgem um privilégio análogo ao de João Batista, santificado no ventre de sua mãe. — A afirmação foi proposta por Gerson, Isidoro de Isolanis, O. P., S. Bernardino de Siena, João de Cartagena, e aceita por Santo Afonso de Ligório[40]. — Suárez, que S. Afonso cita como tendo assumido e defendido a opinião de Gerson[41], por outro lado, apesar da sua grande devoção a S. José, recusou-se a subscrever a tese do famoso reitor da Universidade de Paris. Bento XIV concordou com esta opinião negativa. A santificação de S. José no ventre materno não parecia, a estes dois especialistas em ciência eclesiástica, poder ser demonstrada por razões sérias. — Embora autores hoje estimáveis (v. Monsenhor Sauvé e Padre Tesnière) tenham achado possível a opinião de Gerson, e ainda que o periódico Ami du Clergé a tenha proposto com complacência (em 1912, p. 219), não nos parece que podemos pensar, neste ponto, diferente de Suárez e Bento XIV.
A razão fundamental da nossa afirmação é-nos dada por Santo Tomás (IIIa, q. 27, a. 6): “Mas, porque o Evangelho diz expressamente (Lc. I, 15) que João Batista ‘será repleto do Espírito Santo desde o seio de sua mãe’; e de Jeremias (I, 5) se afirma expressamente ‘antes de saíres do seio materno, eu te santifiquei’, parece que se deve afirmar que ambos foram santificados no seio materno, ainda que não tenham tido o uso do livre-arbítrio no seio materno[42]... E nada faz crer que outros, dos quais nem faz menção a Escritura, tenham sido santificados no seio materno. Por esta razão: tais privilégios da graça, dados a alguns fora da lei comum, se ordenam ao bem de outros, como nos diz a primeira Carta aos Coríntios (XII, 7): ‘A cada um é dada a manifestação do Espírito para utilidade de todos’. Ora, de nenhuma utilidade seria essa santificação no seio materno se fosse desconhecida pela Igreja”. De todos os profetas, Jeremias foi o que mais claramente previu e descreveu a dolorosa paixão de Jesus; João Batista deveria, por assim dizer, mostrar aos homens o Messias e, por meio do batismo de penitência, preparar o batismo de Jesus Cristo. A Sagrada Escritura é completamente muda sobre a santificação de São José, enquanto a Tradição mantém o mais absoluto silêncio. Assim, na opinião que quer equiparar S. José à S. João falta aquilo que Bento XIV chamou de “firmum et stabile in sacra theologia fundamentum”[43]. O ofício que S. José teve de cumprir junto à Virgem Mãe e ao divino Menino exigiu, sem dúvida, grande santidade; mas essa santidade não era necessária desde o momento anterior ao nascimento de José. Não há aqui nenhuma paridade a estabelecer entre a mulher bendita entre todas as mulheres, a nova Eva, que deveria, desde o primeiro momento da sua concepção, ser a inimiga nascida da antiga Serpente, e S. José, cuja missão só começou, de fato, no momento em que se tornou esposo de Maria Santíssima. Assim, a conclusão de Suárez, embora procure evitar a temeridade e o exagero, parece-nos ser a correta nessa questão: “Penso, escreve ele, que não é necessário admitir e nem afirmar certos privilégios que muitos atribuem a esse grande santo, como por exemplo o privilégio da santificação no ventre materno. Tais afirmações, que estão fora das regras gerais das Escrituras, só podem ser aceitas se as apoiarmos em boas razões e na grande autoridade da Igreja e dos santos Padres”[44].
Seja como for, a santificação de João Batista no ventre de sua mãe não conferiu necessariamente ao Precursor uma preeminência de santidade ou dignidade em relação a S. José. A santificação de S. José ocorreu de forma normal, através da circuncisão (cf. S. Tomás, IIIa, q. 70, a. 4); mas não se segue que S. José não tenha recebido, desde aquele mesmo momento, uma graça mais abundante que qualquer outra pessoa, após apenas da Santíssima Virgem.
b) Para Maria, a Imaculada Conceição implicou a supressão da fonte da concupiscência e, assim, Maria, por um insigne privilégio de Deus, foi capaz de evitar, e de fato evitou, todo pecado, mesmo venial e indeliberado, ao longo de sua vida. Deveria S. José ter um privilégio semelhante? — Em primeiro lugar, talvez fosse oportuno recordar que o privilégio concedido a Maria não foi apenas a impecância (como dizem os teólogos), mas a impecabilidade, devido a uma superabundância de graças eficazes que privaram Maria da possibilidade, não física, mas moral, de ofender a Deus. —- Mas, restringindo a questão ao simples fato de não pecar, é possível afirmar, não digo com certeza, mas com séria probabilidade, que o foco da concupiscência não foi, em S. José, suprimido, mas atado ao ponto de lhe permitir evitar todo pecado, mesmo que meramente venial?
As opiniões estão divididas sobre este assunto. O Padre Lépicler defende com tanta erudição quanto convicção a tese da impecância[45], fundamentando-a na perfeita pureza exigida pela missão de S. José — A nossa piedade para com S. Jose não nos obriga a afirmar essa tese sem restrições. De fato, a missão de S. José exigia impecância, mas apenas no momento em que esta missão foi confiada ao santo patriarca. Ora, esse momento não é “toto vitae mortalis decursu, durante todo o decorrer de sua vida mortal”.
Além disso, é possível que Deus tenha concedido “toto vitae mortalis decursu” esse insigne privilégio àquele que serviria como seu pai aqui na terra; mas a presença em São José de uma prerrogativa tão absoluta e completa é improvável, isto é, indemonstrável no sentido teológico da palavra. Ora, uma opinião, mesmo que meramente provável, deve basear-se em uma demonstração verdadeira.
Há uma verdade de fé que parece, à primeira vista, contradizer o privilégio da absoluta e perpétua impecância de S. José. O Concílio de Trento não definiu que um homem justificado não pode evitar o pecado, pelo menos venial, durante toda a sua existência sem um privilégio especial de Deus? (Sessão VI, cân. 23). Esse privilégio especial foi certamente concedido à Santíssima Virgem, após a sua Imaculada conceição. Foi ele concedido a outras criaturas, em termos de um desvio do curso normal das leis providenciais? É claro que se trata aqui de criaturas concebidas no pecado original. Quem poderia afirmar? Se a coisa é possível, não é demonstrável, e é oportuno nesse assunto, mesmo no que diz respeito a S. José, permanecer cauteloso. A atitude que se impõe ao teólogo católico parece ser aquela que propõe o Cardeal Billot, no seu tratado De Gratia Christi. A fim de evitar, diz ele, na atual ordem da Providência, no decorrer da vida, até mesmo pecados veniais semi-deliberados, seria necessário uma ajuda completamente extraordinária de Deus, que nunca foi dedicada a nenhum homem concebido no pecado, a não ser por um privilégio muito especial. Privilégio esse do qual não é possível constatar a existência: necessarium esset... auxilium plane extraordinariam, quod nulli hominum in peccato conceptorum fut unquam concessum, nisi forte ex specialissimo de quo non constat privilegio[46]. Isso mostra a posição exata que deve ser adotada: embora reconhecendo a possibilidade de tal privilégio excepcional, deve-se reconhecer que a concessão de tal privilégio não pode ser objeto de uma demonstração teológica. Tudo o que podemos dizer é que São José foi confirmado em graça no instante de seu matrimônio com a Santíssima Virgem, assim como os Apóstolos no início de sua missão apostólica.
c) Não seria mais exato dizer simplesmente que S. José, constituído na graça de maneira supereminente (o que não implica necessariamente em impecância perpétua), nunca deixou de aumentar em sua alma, desde a idade da razão, o tesouro sobrenatural que Deus havia depositado ali? O nome José significa esse crescimento, e é permitido repetir com São Bernardo: “Conjice ex proprio vocabulo, quod augmentum non dubitas interpretari, quis et qualis homo fuerit iste homo Joseph”[47]. Embora em menor grau, em José, assim como em Maria, as três condições do mérito e progresso da vida sobrenatural estão reunidas de modo excelente: obras que são em si boas e capazes de se relacionar com Deus (pode haver uma obra mais excelente do que a tríplice missão de José em relação à virgindade de Maria, à infância de Jesus e ao mistério da Encarnação?); caridade supereminente que orienta essas obras para Deus, um fim sobrenatural (que amor a Deus naquele que segurou o Menino Jesus em seus braços!)[48]; maior liberdade que entre os outros homens, tanto maior quanto S. José avançava cada dia mais em perfeição: filius accrescens, Joseph.
Nunca é demais elogiar o crescimento contínuo em graça e virtude de São José. E se tivéssemos que aprofundar as virtudes tantas vezes praticadas pelo santo patriarca, teríamos que exaltar a sua fé profunda, a sua esperança confiante, e o seu amor sempre crescente no contato com Deus que, na sua companhia, manifestava cada vez mais a aos homens “a graça e a sabedoria que havia Nele”. Deveríamos recordar também a prudência e a força do guardião vigilante responsável por arrancar a Criança e a sua mãe das ciladas dos seus piores inimigos? A justiça do homem perfeito que a própria Escritura descreve em uma palavra, cum esset justus? A temperança do artesão pobre e trabalhador? Poderíamos assim rever todas as virtudes e atribuí-las a José em grau supereminente: certamente permaneceríamos dentro dos limites da verdade. Para dar a São José uma auréola digna da sublime missão com que foi confiada, não há necessidade de lhe conceder a Ciência sobrenatural infusa ou a visão beatífica que certos autores, no afã da sua devoção filial, acreditaram poder atribuir ao chefe da Sagrada Família; não há necessidade de fazer dele o corredentor do gênero humano. Todos esses títulos nada acrescentariam à santidade de S. José, mas pareceriam contradizer a sua missão terrena de humildade e silêncio, cujo quadro era ser e permanecer apenas na vida oculta do Salvador.
d) O ponto em que podemos exaltar a grandeza de São José, sem medo de exagerar, é em sua virgindade. Ele foi casto durante seu matrimônio com a Santíssima Virgem. “Pureza, dissemos acima com Bossuet, eis o seu triunfo. Eles, reciprocamente, oferecem, um ao outro, sua virgindade, e nessa virgindade concedem um ao outro um direito mútuo,... de guardá-la um ao outro”. Mas José era, então, virgem quando aceitou Maria como sua esposa? Ele não havia contraído um matrimônio anterior, do qual nasceriam aqueles que o Evangelho chama de “irmãos do Senhor”? — Nos primeiros séculos da era cristã, a opinião de um matrimônio anterior de São José, citada no livro apócrifo do Protoevangelho de Tiago, teve, nos primeiros séculos da era cristã, alguns partidários entre os Padres da Igreja. Hoje está completamente abandonada. A eminente santidade de S. José e a sublimidade de sua missão parecem exigir dele um amor à castidade até à virgindade completa e perpétua. Mas há mais: um estudo crítico da questão dos irmãos do Salvador, nascidos de um primeiro matrimônio de S. José, leva-nos a conclusões tais que somos obrigados a procurar outra explicação para esta expressão. Expandir esse ponto estaria além do propósito deste artigo. Aliás, o periódico Ami tratou longamente desse assunto, num estudo onde não há nada a retirar ou a acrescentar (1912, p. 289-298).
e) Enfim, a própria morte de S. José testemunha a sua preeminência. — Como foi doce a morte de São José, expirando nos braços de Jesus e Maria! Releiamos sobre este assunto a admirável página de S. Francisco de Sales, no seu Tratado sobre o Amor de Deus (liv. VII, cap. XIII). Se não podemos deduzir com certeza as enfermidades humanas da velhice de São José, pelo menos podemos assegurar que a sua morte, como a da Santíssima Virgem, foi uma morte de amor: “Um santo que tanto amou na sua vida, diz o santo Bispo de Genebra, só poderia morrer de amor: pois sendo sua alma incapaz de amar como gostaria seu amado Jesus entre as distrações desta vida, e tendo completado o serviço que era exigido em sua tenra idade, o que restava senão dizer ao Pai eterno: Oh Pai, eu cumpri a obra que me confiastes (Jo. XVII, 4); e depois ao Filho: Oh meu filho, assim como seu Pai celestial colocou seu corpo em minhas mãos no dia em que vieste a este mundo, neste dia de minha partida dele entrego meu espírito em suas mãos”. O tema de S. Francisco de Sales é: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt. V, 7).
Mas a morte de S. José, suave e doce como a da Virgem, parece exigir um complemento que unisse ainda mais o santo patriarca à sua gloriosa esposa, através do triunfo de uma ressurreição antecipada. Lemos em Mt. XXVII, 52-53 que muitos corpos de santos foram ressuscitados após a ressurreição do Senhor e manifestados na cidade de Jerusalém. Santo Tomás acredita que esta ressurreição foi definitiva e absoluta[49]. Não estaria S. José entre os ressuscitados? Não podemos admitir que depois desta ressurreição ele entrou em corpo e alma no paraíso seguindo Nosso Senhor? Esta é a opinião de Suárez[50]. Essa é também a opinião de S. Francisco de Sales, cujo delicioso desenvolvimento teremos o prazer de transcrever:
“O que mais nos resta dizer agora, senão que não devemos de forma alguma duvidar que este glorioso Santo tem muito crédito no céu com Aquele que o favoreceu tanto a ponto de elevá-lo até lá em corpo e alma: o que é ainda mais provável, visto que não temos nenhuma relíquia aqui na terra, e parece-me que ninguém pode duvidar desta verdade; pois como poderia alguém ter recusado essa graça a São José, que lhe foi tão obediente durante toda a sua vida? Não há dúvida de que Nosso Senhor, descendo ao Limbo, foi abordado por S. José desta forma: ‘Meu Senhor, lembrai-vos, se quiseres, que quando fostes do céu à terra, vos recebi em minha casa e em minha família; e que assim que nascestes vos recebi em meus braços. Agora que deves ir para o céu, levai-me convosco; eu vos recebi na minha família, recebei-me agora na vossa, já que vais para lá; eu vos carreguei em meus braços, então agora carregais-me nos vossos; e como eu cuidei de vos alimentar e conduzir-vos durante o curso de sua vida mortal, cuidais de mim e conduzis-me para a vida eterna’. E se é verdade, na qual devemos acreditar, que em virtude do Santíssimo Sacramento que recebemos, nossos corpos serão ressuscitados no dia do Juízo, como poderíamos duvidar que Nosso Senhor não ascenderia de corpo e alma ao céu ao glorioso S. José, que teve a honra e a graça de carregá-Lo tantas vezes nos seus benditos braços, nos quais Nosso Senhor tanto se agradou?” (Entretien XIX, ed. cit., p. 546; Annecy, p. 369 e seguintes).
§ 3. — O Patronato de S. José
Ao terminar este estudo, bastar-nos-á, a título de conclusão, mostrar como o patronato de S. José em relação à Igreja universal está ligado à sua missão terrena no que diz respeito ao mistério da Encarnação. Não podemos fazer melhor do que relatar as palavras muito justas e teológicas de Leão XIII em sua encíclica Quamquam pluries:
“As razões, disse o Papa, pelas quais São José deve ser tido como Patrono da Igreja – e a Igreja por sua vez espera muitíssimo da Sua especial proteção – residem sobretudo no fato de que ele é esposo de Maria e pai putativo de Jesus Cristo. Daqui derivam toda a sua grandeza, graça, santidade e glória. Sabemos que a dignidade da Mãe de Deus é altíssima e que não pode haver uma maior. Mas dado que entre a beatíssima Mãe de Deus e São José existe um verdadeiro vínculo matrimonial, é também certo que São José, mais que qualquer outro, se aproximou daquela altíssima dignidade que faz da Mãe de Deus a criatura mais excelsa. De fato, o matrimônio constitui por si mesmo a forma mais nobre de sociedade e de amizade, e traz consigo a comunhão dos bens. Portanto, se Deus deu José como esposo a Maria, deu-o não só como companheiro de sua vida, testemunha de sua virgindade e tutor da sua pureza, mas também como participante – por força do vínculo conjugal – da excelsa dignidade da qual ela foi adornada. Além disso, ele eleva-se entre todos em dignidade também porque, por vontade de Deus, foi guarda e, na opinião de todos, pai do Filho de Deus. Em consequência, o Verbo de Deus foi humildemente submisso a José, obedeceu-lhe e prestou-lhe a honra e o respeito que o filho deve ao seu pai. Ora, desta dupla dignidade derivaram espontaneamente os deveres que a natureza impõe aos pais de família; assim, pois, São José foi guarda legítimo e natural da Sagrada Família, e ao mesmo tempo seu chefe e defensor, exercendo estes ofícios até o fim de sua vida. Foi ele, de fato, que guardou com sumo amor e contínua vigilância a sua esposa e o Filho divino; foi ele que proveu o seu sustento com o trabalho; ele que os afastou do perigo a que os expunha o ódio de um rei, levando-os a salvo para fora da pátria, e nos desconfortos das viagens e nas dificuldades do exílio foi de Jesus e Maria companheiro inseparável, socorro e conforto.
Ora, a Sagrada Família, que José governou com autoridade de pai, era o berço da Igreja nascente. A Virgem Santíssima, de fato, enquanto Mãe de Jesus, é também mãe de todos os cristãos, por Ela gerados em meio às dores do Redentor no Calvário. E Jesus é, de alguma maneira, como o primogênito dos cristãos, que por adoção e pela redenção lhe são irmãos. Disto deriva que São José considera como confiada a Ele próprio a multidão dos cristãos que formam a Igreja, ou seja, a inumerável família dispersa pelo mundo, sobre a qual ele, como esposo de Maria e pai putativo de Jesus, tem uma autoridade semelhante a de um pai. É, portanto, justo e digno de São José, que assim como ele guardou no seu tempo a família de Nazaré, também agora guarde e defenda com seu patrocínio a Igreja de Deus.”
Após esta razão de ordem estritamente teológica, o Pontífice traz outra, extraída da missão outrora realizada no povo eleito de Deus por esse outro José, filho de Jacó e figura de José, esposo da Virgem Maria:
“Além de terem ambos recebido – não sem significado – o mesmo nome, existe entre eles muitas outras e claras semelhanças, a Vós bem conhecidas. Em primeiro lugar, o antigo José ganhou para si a benevolência de seu senhor de um modo todo singular; e depois conseguiu, graças ao seu zelo, que chovesse do céu toda a prosperidade e bênçãos sobre o seu patrão, de quem dirigiu a casa. E mais: por vontade do rei governou com plenos poderes todo o reino, e quando a carestia se tornou calamidade pública, foi ele quem alimentou os egípcios e os povos vizinhos com exemplar sagacidade, a ponto de ser merecidamente chamado pelo faraó de ‘salvador do mundo’. Assim, no antigo patriarca é fácil de se ver a figura do nosso José. Como o antigo José foi a bênção para a casa de seu patrão e para todo o reino, assim o nosso José foi predestinado a guardar a cristandade e deve ser tido como defensor da Igreja, que efetivamente é a Casa do Senhor e o Reino de Deus na terra.”
A missão de São José, patrono da Igreja Universal, continua a missão do chefe da Sagrada Família; devemos, portanto, concluir que esse patrocínio diz respeito tanto à ordem temporal quanto à ordem espiritual. Ninguém, melhor do que Santa Teresa, previu esse objeto unívoco da proteção de São José:
“Não me lembro, afirma ela, até hoje de haver-lhe suplicado nada que não me tenha concedido. É coisa que espanta as grandes mercês que me fez Deus por meio deste bem-aventurado santo, e dos perigos de que me livrou, tanto de corpo como de alma; que a outros santos parece que lhes deu o Senhor graça para socorrer em uma necessidade; mas a este glorioso santo tenho experiência de que socorre em todas, e quer o Senhor nos dar a entender, que assim como a ele esteve submetido na terra, pois como tinha nome de pai, sendo guardião, nele podia mandar, assim no céu faz o quanto lhe pede.” (Vida de Santa Teresa, escrita por ela mesma, cap. VI).
Leão XIII mostra como S. José, padroeiro universal da Igreja, se torna modelo e protetor dos “homens de todas as condições”:
“Há razões, disse o Papa, pelas quais os homens de todas as condições e de todos os países devem recomendar e confiar-se à fé e aos cuidados do bem-aventurado José. — Os pais de família encontram em José a mais bela personificação da vigilância e da solicitude paterna; os cônjuges, um exemplo perfeito de amor, de acordo e de fidelidade conjugal; as virgens têm nele, além de um modelo, o protetor da integridade virginal. — Que os de nascimento nobre aprendam com José a manter sua dignidade, mesmo no infortúnio; — que os ricos aprendam com suas lições que são os bens que eles devem desejar e adquirir com todos os seus esforços. — Quanto aos proletários, aos trabalhadores, às pessoas de condição medíocre, eles têm um direito especial de recorrer a São José e de propor a si mesmos a sua imitação. José, de fato, de raça real, unido por matrimônio à maior e mais santa das mulheres, considerado o pai do Filho de Deus, passou sua vida como trabalhador e exigiu de seu trabalho de artesão tudo o que era necessário para o crescimento de sua família.” (Ed. Bonne Presse, op. cit., p. 555- 557).”
Uma vez que o patrocínio de S. José no que diz respeito à Igreja universal e aos fiéis de todas as condições deriva das mesmas funções que o santo Patriarca desempenhou junto a Jesus e Maria na intimidade da Sagrada Família, por que a Igreja esperou tanto para proclamar o poder e reconhecer publicamente a proteção daquele que ela invocava, desde 5 de dezembro de 1870, como seu Patrono? Aqui somos lembrados do aspecto providencial do decreto divino que certamente presidiu o desenvolvimento progressivo do culto a São José: “S. José, a sombra sob a qual o admirável nascimento de Cristo foi escondido com honra, teve que ser e permanecer ainda mais obscuro: Foi apenas tardiamente, de fato, que ele apareceu no culto público da Igreja, porque era necessário que, antes de tudo, as mentes dos fiéis se acostumassem a considerar o dogma da virgindade perfeita da Mãe de Deus e se habituar a olhar para Maria como a única que verdadeiramente gerou o Salvador”[51]. Citando São Bernardo, mesmo após sua morte, por mais sublime que fosse sua santidade ou por mais poderosa que fosse sua intercessão, São José teve que permanecer fiel à tríplice missão pela qual o próprio Deus havia constituído não apenas como o apoio de sua Mãe e o nutridor de sua humanidade, mas também e sobretudo, tanto na obscuridade como na glória, o único ministro muito fiel dos planos divinos na Terra: “Constituit (eum) Dominus suae matris solatium, suae carnis nutritium, solum denique in terris magni consilii coadjutorem fidissimum: O Senhor o constituiu como consolação de sua mãe, alimento de sua carne e, por fim, o mais fiel ajudante de seu grande plano na terra”[52].
[1] Cf. Suma Teológica, IIIa pars, q. 36, a. 1.
[2] Epist. 137, ad Volusianum, al. 3, c. 3, n. 9: PL 33, 519
[3] 1er Serm. sur l’Annonciation de la Sainte Vierge, 2e point, Oeuvres, Paria, 1838, t. III, p. 458.
[4] Terrien, La Mére de Dieu, t. II, Paris, s. d. (1902), liv. VI. cap. 4, p. 182-183.
[5] Suma Teológica, IIIa pars, q. 20, a. 2.
[6] Cf. Billot, De Sacramentis, t. II, Tese XXXV.
[7] 1er Panégyrique, Oeuvres oratoires, édition Lebarq. t. I, p. 127-131.
[8] Epist. III, ad Probam, n. 6: P. L., t. LXV, col. 326.
[9] De Nuptiis et concupiscentia, lib. I, n. 12: P. L., t. XLIV, col. 421. – Os textos de Santo Agostinho que servem de esboço para o eloquente desenvolvimento de Bossuet são: De Genesi ad litteram, l. IX, c. VII, n. 12: P. L., t. XXXIV, col. 397; Contra Julianum, l. V, c. XII, n. 46; P. L., t. XLIV, col. 810; De Nuptiis et concupiscentia, loc. cit., t. XLIV, col. 421.
[10] In Matth., homil. IV, n. 6; P.G., t. LVII, col. 17.
[11] Op. cit., 2º point; 133-135.
[12] “Proles non dicitur bonum matrimonii solum inquantum per matrimonium generatur, sed inquantum in matrimonio suscipitur et educatur; et sic bonum illius matrimonii fuit proles illa et non primo modo. Nec tamen de adulterio natus, nec filius adoptivus qui in matrimonio educatur, est bonum matrimonii: quia matrimonium non ordinatur ad educationem illorum, sicut hoc matrimonium fuit ad hoc ordinatum specialiter quod proles illa susciperetur in eo, et educaretur” Super Sent., lib. 4, d. 30, q. 2, a. 2, ad 4.
[13] De Verbo Incarnato, 1912, p. 422.
[14] Op. cit., 3º point, p. 140-141.
[15] Suma Teológica, IIIa pars, q. 27, a. 4 corpus.
[16] “Quod unicuique a Deo datur gratia secundum hoc ad quod eligitur. Et quia Christus, inquantum est homo, ad hoc fuit praedestinatus et electus ut esset praedestinatus filius Dei in virtute sanctificationis, hoc fuit proprium sibi, ut haberet talem plenitudinem gratiae quod redundaret in omnes, secundum quod dicitur Ioan. I, de plenitudine eius nos omnes accepimus. Sed beata virgo Maria tantam gratiae obtinuit plenitudinem ut esset propinquissima auctori gratiae, ita quod eum qui est plenus omni gratia, in se reciperet; et, eum pariendo, quodammodo gratiam ad omnes derivaret” (Suma Teológica, IIIa pars, q. 27, a. 5 ad 1).
[17] São Paulo escreveu a respeito dessa escolha de Deus: “idoneos nos fecit ministros novi testamenti; Ele é que nos fez aptos para ser ministros da Nova Aliança” (2Cor., III, 6). E Santo Tomás, comentando esse texto, explica que a eleição divina cria a aptidão e a disposição, quando essa eleição não encontra obstáculo no sujeito escolhido: “Ele não só nos fez ministros, como ‘nos fez aptos para ser ministros’. Deus dá a cada coisa os meios para alcançar a perfeição da sua natureza. Assim, uma vez que Deus constituiu os ministros da Nova Aliança, Ele também lhes deu a aptidão para exercer seu ofício, a menos que houvesse um obstáculo colocado por parte daqueles que receberam essa aptidão; non solum fecit nos ministros, sed idoneos. Deus enim cuilibet rei dat ea per quae possit consequi perfectionem suae naturae. Unde, quia Deus constituit ministros novi testamenti, dedit et eis idoneitatem ad hoc officium exercendum, nisi sit impedimentum ex parte recipientium” (In Ep. II ad Cor., c. III, lect. 2). Deve-se aplicar o mesmo princípio à eleição de São José.
[18] Cf. Terrien, op. cit., liv. III, cap. 3, t. I, p. 259: “Se há algum prevaricador entre os apóstolos eleitos por Jesus Cristo em pessoa, é porque a eleição de Judas não era absoluta. O Senhor, ao chamá-lo para segui-Lo, sabia que seria traído; mas isso mesmo iria ao encontro de seus desígnios de misericórdia, visto que a salvação do mundo pedia que Ele fosse entregue” (Ibid., p. 260).
[19] S. Tomás, De Charitate, q. um. a. 2, ad 7.
[20] IIIª p., q. 7, a. 13.
[21] Ibid., q. 27, a. 5.
[22] S. Francisco de Sales. Entretiens spirituels, XIX : Œuvres, Paris, 1838, t. IV, p. 537-538. Édit. d’Aneey, t. VI, p. 360).
[23] Ibid., p. 533-534.
[24] Lettres apostoliques de S. S. León XIII, éd. de la Bonne Presse, t. II, p. 253-255.
[25] Roma-Paris, s. d. (1908), p. 26.
[26] Deixemos de lado uma questão litúrgica que não acrescentaria nenhuma luz sobre a preeminência de S. José. O nome de S. João precede o de S. José na Ladainha dos Santos e nos Sufrágios. Desse fato nós não estamos autorizados a concluir a favor ou contra a preeminência ou santidade de qualquer um dos dois. Com efeito, quando se trata de colocar o nome de S. José na Ladainha dos Santos, examina-se o ponto de vista da preeminência desse grande patriarca sobre S. João Batista e sobre os Apóstolos. O cardeal Lambertini (mais tarde Bento XIV), em sua opinião dada nesse assunto, conclui que o juízo humano não deve substituir os juízos de Deus. O lugar que ocupa o nome de S. José na Ladainha e nos Sufrágios não implica em si mesmo nenhuma indicação de superioridade ou inferioridade em relação aos que precedem ou que lhes são seguidos. Sobre essa questão, vide a resposta da Sagrada Congregação dos Ritos em Analecta Juris Pontificii, 20ª série, 1881, col. 824-843.
[27] Thesaurus: P. G., t. LXXV, col. 157.
[28] Cont. adversarium legis et prophetarum, t. II, c. V, n. 20: P. L., t. XLII, col. 650.
[29] Fillion, Evangile selon S. Matthieu, Paris, 1898, p. 222. Cf. Evangile selon S. Luc., Paris, 1897, p. 157.
[30] “Igitur Joannes Baptista non personaliter consideratur quoad ejus excellentiam in vita et moribus, sed inspicitur ejus conditio theocratica et publica, videlicet quatenus repraesentat veterum legem, cujus ipse fuit ultimus subditus”. Van Steenkiste, Commentarius in Evang. sec. Mattaeum, Bruges, 1876.
[31] Ainda que Santo Tomás coloque S. João Batista no Novo Testamento (IIaIIae, q. 174, a. 4, ad 3), ele o considera “o fim da Lei e o começo do Evangelho” (IIIa, q. 38, a. 1, ad 2). Também sua interpretação de Mt. XI, 11 é conforme aquela que expusemos: “Ille enim maior et excellentior est, qui ad maius officium est assumptus: Abraham enim maior est inter patres quoad probationem fidei; Moyses vero quoad officium prophetiae, ut habetur Deut. ult., 10: non surrexit propheta ultra in Israel sicut Moyses. Omnes isti praecursores domini fuerunt; nullus autem fuit in tanta excellentia et favore; ideo ad maius officium est assumptus; Lc. I, 15: erit enim magnus coram domino. [Porque é maior e mais excelente aquele que é escolhido para uma função maior. Ora, Abraão é o maior entre os patriarcas na prova de sua fé, mas Moisés o é no ofício da profecia, como lemos em Dt. 34, 10: Não se levantou mais em Israel profeta como Moisés. Todos estes foram precursores do Senhor, mas nenhum teve tal excelência e tal favor como João. Portanto, ele foi chamado para uma função maior, Lc. 1, 15: porque ele será grande diante do Senhor].” (Super Mt., cap. 11 l. 1). — Santo Alberto Magno, em seu comentário ao Evangelho de S. Mateus, explica como São João supera, em seu ofício de precursor, todos os demais profetas: “Caeteri tantum cecinere varum corde praesago inbar affutrum, sed Joannes quidem mundi sceltis auferentem Agnum índice prodit: praedixit enim et demonstravit” [Os demais apenas intuem no coração e predizem a vinda do futuro, mas João realmente prediz o Cordeiro que tirará a escória do mundo: não só predisse como mostrou]. — O cardeal Tolet, retomando esse pensamento, separa nitidamente a questão da preeminência em santidade da superioridade no ofício profético: “Non existimo de sanctitate vitae Christum loqui...; at sermo est de prophetiae munere...; in utero prophetavit et natus est prophetae, quod nemini fuerat concessum; similiter, quos baptizavit...; illud autem fuit maximum, quod Christum praesentem novit et populis manifestavit.” (Estes textos são citados pelo P. Knabenbatier, Evangelium sec. Matthaeum, t. I, Paris, 1892, p. 429-431).
[32] De Ecclesia, t. I, Rome-Prato, 1909, p. 74.
[33] Uma outra dificuldade poderia ser tirada da santificação de São João Batista no seio de sua mãe, privilégio que não se poderia atribuir a São José com certeza. Examinaremos esse outro aspecto da questão ao estudar os privilégios conferidos ao santo esposo da Virgem Maria.
[34] Super Rom., cap. 8 l. 5.
[35] Super Eph., cap. 1 l. 3.
[36] In IIIpars. Sum.theol., q. 29, disp. VIII, sect.. I: Opera Omnia, Paris, t. XIX, p. 123.
[37] Sermo in Nat., Virg. Mariae, IV Consid., em Vivés. Summa Josephina, Roma, 1907, p. 173.
[38] Serm. I de S. Joseph, c. 3; Opera, t. IV, Lyon, 1630, p. 254. “Se o compararmos com toda a Igreja de Cristo, ele não é um homem escolhido e especial, através de quem e sob quem Cristo foi introduzido ao mundo de maneira ordenada e honrada? Se, então, toda a santa Igreja está em dívida com a Virgem Mãe, porque através dela foi tornada digna de receber Cristo, então certamente depois dela deve-se a ele especial graça e reverência”.
[39] Que os santos estejam destinados por Deus a ocupar os lugares vazios deixados no Paraíso pelos anjos caídos é a doutrina ensinada por Santo Tomás. S. T. Ia, q. 63, a. 9, ad 3.
[40] Pode-se encontrar essa opinião exposta e defendida em P. Morales, S. J., In Caput I Matthaei, De Christo, Sanctissima Virgine Maria et S. Joseph, Paris (Vivès), 1869, t. I, p. 214ss. Os textos dos autores citados encontram-se relacionados.
[41] Serm. I de S. Joseph, punct. 2. Discorsi morali, Nápoles, 1841, p. 223.
[42] A questão é certa no caso de S. João Batista. Para Jeremias, parece antes que a palavra “santificavi” da Vulgata equivale simplesmente a “destinavi”. V. Dom Calmet, In Hieremiam, c. I, V. Opera, t. VI, Veneza, 1763, p. 35. S. Francisco de Sales (Tratado do Amor de Deus, l. II, c. VI) diz que esse favor foi certamente concedido a S. João Batista, muito provavelmente a Jeremias e a alguns outros “que a Divina Providência apropriou-se no ventre de sua mãe”.
[43] De. Serv. Dei beatificatione et beatorum canonizatione, l. IV, part. II, c. XX, n. 31. Pádova, 1713, p. 133.
[44] De Mysteriis vitae Christii, disp. VIII, sect. 2, n. 6-8.
[45] De sancto Joseph, part. II, art. 2.
[46] De Gratia Christi, Rome-Prato, 1912, tese V, p. 166.
[47] Homil. II super “Missus est” Opera, Veneza, 1568, t. I, p. 14.
[48] “Habuit Joseph erga Christum ardentissimam charitatem. Quis deneget, obscero, quod ipsi tenenti Christium in brachiis tanquam pater, et balbutienti aut confabulanti eum ipso ut pater, Christus sive infans, sive adultas non ingeret et imprimeret ineffabiles sensus, atque jucunditates de semetipso, et hoc cooperante exterius gratia Christi, cum filiali adspectu, afflatu, atque amplexu? O quanta dulcia oscula ab ipso recepit! O quanta dulcedine audiebat balbutientem parventum se patrem vocare, et quanta suavitate sentiebat se dulciter amplexari!” (S. Bernardino de Sena, Sermo de S. Joseph, art. 2, c. 2: Opera, ed. cit. t. IV, p. 254).
[49] V. seu Comentário a São Mateus, ed. cit., p. 276 e In Sent. lib. IV, dist 43, q. 1, a. 3, q. 1, ad 3. Na Suma IIIa, q. 53, a. 3, ad 2 ele é muito mais hesitante.
[50] In III P. Suma, disp. 30, sect.. 2.
[51] Billot, De Verbo incarnato, p. 422.
[52] Não estudaremos aqui a evolução do culto de S. José na Igreja católica. O nome a dar a esse culto seria antes um dos objetos do nosso estudo. Por causa da provável preeminência em dignidade e santidade de São José, seu culto não mereceria um nome mais distintivo como culto de dulia suprema ou protodulia? Até aqui (1921), Roma se recusou a sancionar uma nova terminologia ao culto de S. José. É a razão pela qual nós nos abstemos de abordar um problema que é preciso considerar, até segunda ordem, como prematuro: “Non plus sapere, quam oportet sapere, sed sapere ad sobrietatem; Que não saibam mais do que convém saber, mas que saibam com temperança”.
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