Caso não tenha lido, leia a parte I.
X. Se for assim, o caso é desesperado; pois aquele que se encontra em alguma ocasião de pecado é tornado tão contumaz e fervoroso pela tentação, que não ajuda nem a confiar em si mesmo nem a confiar em Deus. O que fazer, então? Qual será o remédio? Ei-lo: fugir da ocasião: não há e nem pode haver outro além de fugir da ocasião. É preciso fazer exatamente o que se faz em tempos de peste, ou seja, fazer três coisas: fuga, ferro e fogo; em primeiro lugar, fuga: si vere ploras, exi foras, grita Santo Tomás de Villanueva; fuja dessa rua, fuja dessa casa, fuja dessa conversa. Imitai o nobilíssimo exemplo que nos deu o casto José, que, deixando o seu manto nas mãos da terrível senhora, se salvou fugindo. Não descrevo o acontecimento trágico, porque é por demais conhecido; não o pinto com as cores artificiais que em todos os salões, em todas as sala e em todas as galerias se veem pintadas, e sabe Deus de que maneira e com que atitudes; oh grande vergonha da arte (deixem-me desabafar)! oh vitupério da pintura! Como! Não basta ver nalgumas salas Vênus nuas e Adônis desavergonhados, todos fomentados pela luxúria imunda, senão que queremos que as Susanas, as Madalenas penitentes, os Josés, que eram exemplos de pureza, sirvam para despertar chamas impuras? Chefes de família, veremo-nos de derradeiro tribunal de Deus, tanto vós que mantendes expostos esses quadros infames, como os pintores que os pintaram; oh que vergonha, que vergonha! ... (teria muito a dizer). Mas, voltando a nós, eis a verdadeira maneira de vencer: fugir, fugir e fugir. O bom José não deliberou, não deu tempo à insolente, mas imediatamente não só fugiu, mas voou... precipitou-se pelas escadas abaixo. E isso não é novidade quando a casa se incendeia e é preciso se salvar do fogo com o precipício: Relicto in manu ejus pallio, fugit, et egressus est foras, mas ele, deixando a capa na sua mão, fugiu e saiu para fora (Gen. XXXIX, 12). Mas, meu padre, quem vem à minha casa é um amigo do marido, padrinho de um dos filhos, um velho confidente, já maduro e idoso: e há aqui algum perigo? Não sei o que te dizer; mas ouve o que a Escritura diz de José: mulier molesta erat adolescenti, continuou a mulher muitos dias a solicitar José com palavras semelhantes. Ela diz que a mulher insolente assediou esse jovem. Mas como chamá-lo de jovem, se no texto acima ele é descrito como um homem já feito e maduro: erat vir in cunctis prospere agens? Atenção: com a vida longa envelhecemos, mas com a familiaridade tornamo-nos jovens. A primeira vez que a senhora viu José, ele apareceu-lhe como um homem: Vir erat. Ao continuar a vê-lo, ele parecia jovem, et molesta erat adolescenti. Que aproveitem os que me entendem, e se querem o remédio, aqui está: fuga, ferro e fogo. Eu, padre, vou demorar-me numa casa; mas, se visses aquela com quem tenho alguma confiança... que semblante reservado, espiritual e modesto! os pintores vão buscar as suas ideias para as Santas Teresa e Catarina de Sena; e há aqui perigo? Eu não saberia o que dizer; para fascinar Holofernes, bastam os sapatos de uma Judite jovem, inteiramente espiritual; não era a atração do traço, não, mas só os sapatos: Sandalia eius rapuerunt eum. Mesmo assim, certas pessoas espirituais, reservadas, modestas e bem cobertas são rochas debaixo de água, onde o naufrágio é mais seguro e talvez mais frequente; a faca que Pedro usou para cortar a orelha de Malco foi consagrada para cortar o cordeiro pascal na mesa: habebat illum in esu agni paschalis. Quero dizer que pessoas sagradas com meios sagrados, num lugar sagrado, podem cair; portanto, fuga, ferro e fogo: si vere ploras, exi foras.
XI. Mas, meu padre, isto é demasiado rigoroso. Sim! ... demasiado rigor! Sendo assim, percorrei o Evangelho. Não fala Cristo Nosso Senhor claramente? Fuga, ferro e fogo, grita desde o céu: si oculus tuus scandalizat te, erue eum, et projice abs te, por isso, o teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o para longe de ti. Ferro e fogo, si manus tua scandalizat te, abscinde eam, et projice abs te, se a tua mão direita é para ti causa de queda, corta-a e lança-a para longe de ti. Ferro e fogo. E para que vejais que este texto evangélico não é impraticável, confio-vos o exemplo de uma heroína generosa; ah, se eu soubesse o seu nome, desejaria que ele fosse gravado em letras de ouro nos diamantes da eternidade! Esta era uma virgem santa, religiosa da ordem de S. Domingos, e foi amada com demasiada intensidade. Ela foi amada com excessiva afeição por um rei da Espanha: e ela, embora inocentíssima, disse mil vezes, potius mori quam foedari, antes a morte que a desonra, mas não deixou de aprender vivamente o que a paixão desenfreada pode fazer a um soberano, e temendo alguma violência para si e desgraça para o mosteiro, depois de longa consulta ao seu coração, finalmente, movida por um instinto particular do Espírito Santo, resolveu assim: “Já que este príncipe declarou que os meus olhos são as suas estrelas, os seus ímanes, então que eu com estes olhos lhe agrade, sem desagradar ao meu Jesus”. Dito isto, pôs à sua frente, de um lado, a caneta e o papel e, do outro, uma pequena taça, na qual queria enviar ao rei o presente sombrio dos seus olhos. Antes de os tirar, porém, escreveu-lhe em termos semelhantes: “Senhor, quem tudo nega a um monarca, tudo concede; por isso resolvi enviar-te estes meus olhos, que tanto te agradaram, para que te contentes em deixar ao meu Jesus esse tesouro, que há tanto tempo lhe consagro. Aqui tendes, pois, as duas pupilas que tanto amais; tomai-as sem horror, porque, se de longe vos incendeiam, de perto extinguem os vossos ardores. Não tenhais, pois, pena de mim; uma freira não perde nada quando perde a vista; o meu Esposo Crucificado é mais bem visto com duas chagas na testa do que com duas pupilas; peço-vos uma só graça, ó Príncipe, por estes olhos que vos mando, peço-vos imediatamente: dignai-vos ver com eles como é cego o amor, e contentando-vos com estes meus olhos, deixai a Deus este meu coração”. Assim escreveu a intrépida e corajosa, e por instinto divino, enlevada com a ponta do ferro mais afiado, arranca ambos os olhos da testa, e ainda palpitando e pingando sangue os envia ao rei apaixonado.
XII. Escondei, ó estrelas do céu, e concedei vossos lugares a estas luzes. Ó luzes, nobres troféus da pureza virginal! Ó pupilas, veneráveis relíquias da santidade! Aqui, ó mulheres, aqui, ó donzelas, aqui, ó jovens; contemplai: estes olhos vos confundirão no dia do juízo, estes olhos vos reprovarão de tantos olhares lascivos dados nas igrejas, de tantos olhares maliciosos com que assassinastes tantas almas; estes olhos vos farão compreender como foi necessário usar o ferro e o fogo para fugir à ocasião do pecado; E embora não devamos imitar esta alma generosa, arrancando os olhos, porque ela agia por instinto do Espírito Santo, devemos imitá-la na mortificação destes nossos olhos traidores da alma, baixando-os e fechando-os em tempo e lugar para manter a pureza do coração; ao menos empreguemo-los em chorar aos pés deste Cristo todos os erros cometidos no passado. Vinde aqui, meu caro Redentor, para suprir com a vossa graça a deficiência da minha língua, que não tem a eficácia de imprimir esta grande verdade no coração de todos. Fuga, ferro e fogo, ordena-te o meu Jesus desta cruz: si oculus tuus scandalizat te, erue eum, isto é, se essa mulher te é cara como a pupila dos teus olhos, deves expulsá-la de casa. Nem me digas: não serei mais assim, ficarei atento, viverei com mais cautela; não, não; expulsa-a, expulsa-a: Erue, projice. Ferro e fogo, ferro e fogo; essas cartas que guardas em lugar seguro e tão bem guardadas, ao fogo; essas grinaldas, essas fitas, esse retrato, ao fogo; esse anel, que usas no dedo como penhor de amor, ao fogo; esses livros traiçoeiros, esses livros infectos que tanto te encantam, ao fogo, ao fogo; esses quadros indignos, faz uma pequena busca se os houver em tua casa, tira-os da parede e atira-os ao fogo dizendo: uro vos, ne urar a vobis, queimo-vos para não arder por vós por toda a eternidade no inferno. Fuga, ferro e fogo, isto é, nunca mais naquela casa, nunca mais naquela vigília e conversa, nunca mais com aquela companhia; nunca mais namoricos, libertinagens, e diversões desonestas, nunca mais. Si manus tua scandalizat te, abscinde eam, se a tua mão direita é para ti causa de queda, corta-a. É Jesus quem vos ordena desde a cruz; não vos aconselha, ordena-vos, abscinde, abscinde. Fugi, amados, fugi de todas as ocasiões; porque se as vossas ocasiões são ocasiões próximas, ai, ai, que ruína! De nada vos servem os sacramentos, porque são todos recebidos sob sacrilégio: sacrílegas as confissões, sacrílegas as comunhões; não há Páscoa, não há indulgência para vós. Que fruto, então, se obterá do sermão deste homem? Ai de mim, que espinho! Sinto-me inspirado por este Crucifixo que o sermão mais necessário de todos será o menos proveitoso, e nada se fará do que eu disse. Nada! Como! Nada se tirará à familiaridade entre pessoas de sexos diferentes? Nada. Nada de tal imodéstia de olhares? Nada. Nada de tanta obscenidade de palavras, de figuras e de nudez escandalosa? Nada. Os mesmos quadros lascivos ficarão pendurados nas paredes? Ficarão. Os mesmos livros corruptos serão lidos com a avidez habitual? Ler-se-ão. As mesmas canções impuras serão cantadas com a mesma franqueza? Serão. Frequentarão as mesmas conversas e companhias dissolutas? Sim. Seguir-se-ão mutuamente os amantes para os mesmos lugares suspeitos? Seguir-se-ão um ao outro. Ai de mim, meu pobre Jesus assassinado, de que serve tanto suor dos vossos pobres ministros, de que servem tantos sermões, de que servem tantas ofertas quaresmais, se os vossos cristãos se querem condenar a todo o custo? Será a minha vez, se for esse o caso, de chorar tão grande desgraça, contanto que as minhas lágrimas obtenham o arrependimento de uma só das muitas almas que aqui me ouvem. Uma só alma vos peço esta noite, uma só alma; seja ela a mais enredada em práticas, em ocasiões, não ma negueis, meu querido Jesus. Que quereis desta alma: lágrimas, dor, arrependimento? Eu, eu chorarei as suas infidelidades, peço-vos perdão; e de vós, alma querida, não quero lágrimas esta noite, não quero compunção, não, não; o que quero de vós é uma resolução generosa de pôr termo a essa ocasião. Procura um pouco no teu coração: qual é a ocasião que te mantém acorrentado e te faz escravo de Satanás, qual é? Já a encontraste? Vá, quebra essas correntes, o que te custa? Um sim resoluto é suficiente. Sim, meu Deus, sim, dizei-o de coração, sim: meu Deus, sim, vou acabar com isso, nunca mais com ele, nunca mais com ela, nunca mais nessa casa, nunca mais. Oh, que bela vitória, oh, que belo fruto, oh, que belo triunfo! Mas o que é que eu disse, uma só alma? Todas, todas, bem-amadas, tomem a nobre resolução de deixar todas as ocasiões. Eis-nos aqui nos primeiros passos da Quaresma; de que serviriam os meus suores e os vossos incômodos, se nestes dias santos vos chocásseis com sermões e vigílias, oratórios e conversas, confissões e ocasiões? Que nunca seja assim; mas todos vós ofereçais a este santo Crucifixo, como primeiro fruto desta Quaresma, o afastamento de todas as ocasiões; e, para chegarmos logo à execução, lembrai-vos de que o maior perigo das tentações, aliás o precipício de tantas almas em tentação, é expor-se à ocasião; e o único remédio é fugir de todas as ocasiões. É bem verdade, e é a maior de todas: quem não foge perde, e quem foge ganha. E qual é o meio? Aqui está: fuga, ferro e fogo. Quando forem para as vossas casas, repitam-no cem vezes: fuga, ferro e fogo; fuga, ferro e fogo.
Fim.
Fonte: Opere complete di S. Leonardo da Porto Maurizio Missionario apostolico, Minore riformato del Ritiro di San Bonaventura in Roma riprodotte con alcuni scritti inediti in occasione della sua canonizzazione, vol. III (Prediche quaresimali), Veneza 1868, pp. 43-56.