III. Os heróis da Verdade cristã contra o Anticristo.
Santo Agostinho expressou, neste grito de admiração, quem serão, do ponto de vista da força da fé, os heróis da verdade cristã nos tempos do Anticristo: “O que somos nós em comparação com os santos e os fiéis dos últimos tempos, já que, para prová-los, Deus soltará um inimigo1 contra o qual, ainda que acorrentado, nós não podemos lutar senão às custas de grandes perigos?”2. Santo Hipólito também disse: “Ó, felizes aqueles que derrotam tal tirano! Temos que admitir que serão mais ilustres e mais heroicos que os seus antecessores”3.
Então, quem serão esses heróis do futuro?
Em primeiro lugar, a própria Igreja, a Igreja militante, compacta na sua hierarquia, com a augusta pessoa do seu Chefe, com os seus bispos, os seus sacerdotes, os seus religiosos e com todos os seus ministros. Nenhuma medida, por mais erudita e opressiva que seja, terá o poder de calar-lhes a boca. Quando o peregrino, na Cidade dos Papas, visita a igreja subterrânea da basílica de Santa Maria na Via Lata, que outrora fora uma prisão, lê, não sem emoção, cinco palavras gravadas nas paredes, que são uma reprodução daquelas que, precisamente neste lugar, o Apóstolo São Paulo escreveu ao seu discípulo Timóteo: “a palavra de Deus não está presa, Verbum Dei non est alligatum”4. Ele mesmo, o Apóstolo São Paulo, foi a demonstração viva desse novo axioma. Livre, pregou em quase todas as plagas do mundo então conhecido; prisioneiro, ele nunca parou de pregar.
A palavra de Deus não pode ser presa! Dos lábios do Apóstolo, essas palavras foram desde então colocadas nos lábios de todos os membros da hierarquia católica. Ainda vibravam, há alguns anos, nos lábios deste velho arcebispo de Paris, de tão doce e grande memória, o Cardeal Guibert, quando, em resposta a uma circular ministerial que tinha a pretensão de regulamentar as ordens dos bispos, redigiu esta resposta calma e sublime: “Senhor Ministro, não se acorrenta a palavra de um bispo, assim como não se prende um raio de sol”.
A palavra de Deus não pode ser presa! Essas palavras serão ainda, às medidas que o Anticristo tomar, a resposta da Igreja. A Igreja! Ah! Ela permanecerá firme na missão que lhe foi confiada pelo seu divino Fundador: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”5. Ensinar a verdade cristã, ensiná-la a todas as nações e gentes, ensiná-la todos os dias, ensiná-la até a consumação dos séculos: estes são o preceito e a profecia. Nada pode impedir a sua realização. E se as enchentes da perseguição, sempre crescentes, começarem a subir novamente, queremos saber: o que acontecerá com a Igreja?... À medida que as águas do dilúvio subiam, diz um misterioso texto do Gênesis, a arca, tranquila quanto ao seu destino, era elevada muito alto por cima da terra: Elevaverunt arcam in sublime a terra6. Muito alto, sublime! Sim, estes são os efeitos da perseguição para a Igreja. Ela ascendeu ao sublime e falou do alto, quando, no século de Juliano, o Apóstata, à injunção que lhe fora dada para cessar todo ensino, Ela respondeu com vozes chamadas Atanásio, Gregório de Nazianzo, Agostinho e João Crisóstomo! A Igreja ascenderá novamente ao sublime quando, na perseguição do Anticristo, que será a mais formidável de todas aquelas que terá sofrido, continuar a sua missão com uma firmeza celebrada antecipadamente nas magníficas palavras do Padre Lacordaire: “Os príncipes”, exclamou um dia o ilustre dominicano no púlpito da catedral Notre-Dame de Paris, “os príncipes poderão unir-se para combater as prerrogativas da Igreja, acusá-las de nomes afrontosos para torná-las odiosas, dizer que é um poder exorbitante que está destruindo os Estados: deixaremos que o digam e continuaremos a pregar a verdade... Se formos mandados para o exílio, fá-lo-emos no exílio; se nos jogarem nas prisões, fá-lo-emos nas prisões; se nos acorrentarem nas minas, fá-lo-emos nas minas; se formos expulsos de um reino, passaremos para outro. Mas se formos expulsos de todos os lugares, se o poder do Anticristo se estender por toda a face do mundo, então, como no início da Igreja, fugiremos para os túmulos e para as catacumbas. E se finalmente formos perseguidos até lá então, e se formos obrigados a subir nos cadafalsos, em cada coração nobre do homem encontraremos um último asilo, porque não teremos perdido a esperança da verdade, da justiça e da liberdade da raça humana”7.
A segunda linha de defensores da verdade cristã contra o Anticristo será uma falange de Doutores, levantada por Deus para esses tempos de provação. Os doutores, estrelas de caridade, nunca faltaram na Igreja. Mas o que será então especial é que essa falange de doutores receberá, para apoio e consolação dos bons, uma maior compreensão das nossas Sagradas Escrituras. O profeta Daniel fez o anúncio em outra passagem de seu livro, também dedicada à perseguição do Anticristo: “os ímpios procederão impiamente, e nenhum ímpio compreenderá, mas os sábios compreenderão”8. Isso significa que enquanto os ímpios, cegos, cumprirão as últimas profecias, como fizeram outrora os judeus sem as compreender, os doutores da Igreja, inundados de nova luz e penetrando nas passagens mais obscuras dessas profecias, encontrarão ali a explicação dos acontecimentos dessa época e, protegendo os fiéis contra os artifícios do Anticristo, mantê-los-ão na firmeza e na confiança, no apego à Igreja e aos seus ensinamentos divinos, ao preço até da vida. Sob essa palavra ardente dos doutores da verdade, o ensino cristão, por mais perseguido, por mais acossado que seja, ainda brilhará com tal brilho, e tantos deverão a ele sua perseverança, que o mesmo profeta Daniel, em uma descrição sumária da vida futura, traçada de forma rápida, abre uma exceção em relação a esses doutores dos últimos tempos; ele se detém diante deles e aponta em sua direção: “os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça, brilharão como as estrelas por toda a eternidade”9.
O terceiro defensor da verdade cristã contra o Anticristo será o povo cristão que permaneceu fiel. Foi assim entre o povo judeu, na época da perseguição de Antíoco: “o povo, que conhece o seu Deus, perseverará constante e procederá (segundo a lei)”10. O povo que conhece seu Deus! Em oposição aos apóstatas, haverá portanto um povo de gente fiel, e este povo de gente fiel se mostrará altamente e energicamente ligado à Lei. “Acreditamos, diz Santo Agostinho, que não faltarão na Igreja nem conversões e nem apostasias; mas os pais, para batizar seus filhos, e os novos fiéis, empregarão tanta força nessa busca, que triunfarão sobre o demônio solto; e embora o diabo possa usar contra eles, como nunca usou antes, todos os seus artifícios e toda a força dos seus ataques, eles poderão combatê-lo com uma vigilância inteligente e uma fortaleza inabalável. Desta forma, por mais solto que ele esteja, eles se desemaranharão das suas garras.... Pois, se for preciso admitir que a caridade de um grande número deve esfriar quando abundar a iniquidade, e que, por meio de perseguições inéditas e artimanhas até então desconhecidas, o diabo, livre de suas cadeias, deva provocar a queda de muitos que não estão escritos no livro da vida; devemos também acreditar que não apenas aqueles cuja fé sairá vitoriosa da prova daquele tempo, mas muitos até de fora, ajudados pela graça de Deus através das Sagradas Escrituras, que predizem o fim dos tempos, e dos quais eles sentirão aproximar-se, encontrarão então mais firmeza para acreditar no que não acreditaram, e mais força para derrotar o diabo solto”11.
Mas aqui está a maravilha: a profecia de Daniel acrescenta: “Os que forem doutos entre o povo, ensinarão a muitos, mas cairão vítimas da espada, da chama, do cativeiro e da pilhagem, durante um certo tempo”12. É notável esta expressão: os doutos entre o povo! Mas o que! Este título de “doutores” concedido pelo profeta não é reservado na Igreja? Não continua a ser uma prerrogativa das inteligências de elite que passaram as horas de vigília muitas vezes na árdua aquisição da verdade? Dizem: os doutores da Igreja... mas os doutos entre povo?... Admiremos as delícias divinas: esse título de doutor, justa recompensa do talento unido ao trabalho, o Espírito Santo também atribui, e com infinita justeza, aos pequeninos do povo cuja grandeza da sua fé transformou-os em apóstolos. Quem não encontrou em seu caminho esses doutores do povo? Algum trabalhador obscuro, um servo humilde, até mesmo crianças. Caiu dos seus lábios como jatos de luz: foi o amor que os fez fluir, o amor que vê até longe, muitas vezes mais longe que a inteligência. Perto do berço da sua fé, a nossa cidade de Lyon ouviu estes doutos do povo e, desde então, na sua gratidão, não separou mais o humilde Blandine do grande Santo Irineu! Será também nesses doutos do povo que a Igreja dos últimos tempos encontrará uma das suas principais forças para enfrentar o Anticristo. Intrépidos apóstolos das verdades cristãs, farão com que ressoem nas oficinas e nas tendas, nas encruzilhadas e no campo. Portanto, o Anticristo irá odiá-los, considerando-os como um dos maiores obstáculos ao estabelecimento do seu reinado tirânico. Ele os perseguirá com ferocidade. Alguns cairão vítimas da espada, da chama, do cativeiro e da pilhagem, durante um certo tempo. Qual será o número desses filhos do povo que são ao mesmo tempo doutores e mártires...? O Senhor guardou esse segredo para Si mesmo. Mas por mais vasto que seja o campo das suas batalhas, saudemo-los antecipadamente: os filhos do povo terão caído ali pela causa de Cristo e das suas Verdades! Três heróis já passaram diante do nosso olhar: a Igreja, os doutores e o povo fiel. Resta um quarto herói, prestado como assistência extraordinária, e de quem só podemos falar com certa reserva, pelo mistério que os rodeia: é o regresso e a pregação simultânea de Enoque e Elias, designados provavelmente no Apocalipse sob o nome das duas testemunhas13.
Aqui está o que podemos dizer sobre isso, de acordo com a Tradição e as Escrituras:
a) É certo que Enoque e Elias não morreram, Enoque “foi arrebatado para que não visse a morte”, segundo as expressões de São Paulo14, e Elias tendo desaparecido no céu em “um carro de fogo e uns cavalos de fogo”15. Todos os Padres concordam neste ponto.
b) É também certo que, assim mantidos em reserva em um lugar conhecido apenas por Deus, Enoque e Elias deverão regressar para pregar entre os homens: “Elias certamente há-de vir (antes da minha segunda vinda), e restabelecerá todas as coisas”16, disse Nosso Senhor mesmo; e o livro do Eclesiástico afirma sobre Enoque que ele “foi transportado ao paraíso, para excitar as nações à penitência”17. Também S. Roberto Belarmino pôde concluir: “Negar o advento futuro e pessoal de Elias é uma heresia ou um erro que se aproxima da heresia”18. E Bossuet, não menos afirmativo, exclama: “É preciso ser mais do que imprudente para refutar a tradição de Enoque e Elias no final dos séculos”19.
A vida que ainda permanece em Enoque e Elias e o retorno de ambos ao meio dos homens para pregar a penitência e reavivar a fé: estes são dois pontos certos.
Mas quando ocorrerá esse retorno?
É aqui que se ordena a reserva de que falamos anteriormente. E, no entanto, quase toda a Tradição Católica concorda em situar esse retorno no tempo do Anticristo, e em reconhecer Enoque e Elias nas duas famosas testemunhas do Apocalipse, a quem caberá a invejável e gloriosa missão de lutar contra o filho da perdição:
Eis a célebre passagem do Apocalipse: “E darei às minhas duas testemunhas o poder de profetizar, revestidos de saco, durante mil duzentos e sessenta dias: são as duas oliveiras e os dois candeeiros, postos diante do Senhor da terra. Se alguém lhes quer fazer mal, sai fogo da sua boca, que devora os seus inimigos; se alguém os quer prejudicar, é assim que deve morrer. Eles têm poder de fechar o céu, para que não chova durante o tempo da sua profecia, e têm poder sobre as águas, para as converter em sangue, e de ferir a terra com todo o gênero de pragas, todas as vezes que quiserem. E, quando tiverem acabado de dar o seu testemunho, a Besta que sobe do abismo fará guerra contra eles, vencê-los-á e matá-los-á”20.
É evidente que o Apocalipse, neste lugar, fala de duas testemunhas, pregadores entre os homens e antagonistas da Besta, antagonistas do Anticristo; mas porque o Apocalipse, fiel ao quadro de mistério que vai da primeira à última página, não nomeia expressamente essas duas testemunhas, embora as designe suficientemente, aqui novamente se impõe a obrigação de reserva. Mas, repetimos, quase toda a Tradição Católica concorda em nomeá-los e, com a sua voz forte, exclama: as duas testemunhas, antagonistas do Anticristo, serão Enoque e Elias! O enfoque restrito deste trabalho não nos permite relatar aqui esses monumentos da Tradição; mas os grandes comentadores bíblicos, como Cornélio a Lápide e Guilherme Estius, colocaram esses monumentos à disposição dos nossos leitores e, seguindo os testemunhos citados, eles poderão ler estas linhas: “Que Enoque e Elias ainda estejam vivos e que ambos devam, antes do Juízo, pregar contra o Anticristo, esta é a antiga Tradição da Igreja da qual dão testemunho a maioria dos Padres: ‘Vetus est Ecclesiæ traditio, cujus plerique Patres etiam meminerunt’”21. E antes de Estius e Cornélio, Santo Tomás já havia escrito: “Enoque foi arrebatado a um paraíso terrestre, onde cremos que vive junto com Elias até o advento do Anticristo”22.
As duas grandes testemunhas do Evangelho, no tempo do Anticristo, serão portanto, e tudo nos autoriza a crer, Enoque e Elias: enviados um aos cristãos prevaricadores para os repreender; e o outro aos judeus incrédulos para lembrá-los. Aquele enviado mais particularmente às nações; este aos os restos mortais de Jacó; mas ambos para a pregação do Evangelho e ambos para a defesa da verdade cristã.
E então, sob o trovão dessas duas vozes dominando o rugido da tempestade, que espetáculo digno do olhar do Céu! Já não é só a Igreja, com os seus ministros, os seus doutores e os seus fiéis, que faz ressoar o Credo das verdades cristãs, são também os séculos do passado que ressuscitam e entram na luta para anunciar Jesus Cristo. Os séculos da Lei da natureza, representados pelo patriarca Enoque! Os séculos da Lei escrita, representados pelo profeta Elias! Séculos da Lei da natureza e séculos da Lei escrita, aqui eles dão as mãos aos séculos da Lei da graça, e todos ficam juntos diante do Anticristo, que também resume todas as heresias, todos os cismas, todas as perseguições do passado, e clamam a Ele até todos os confins da terra: Jesus Cristo é Deus! Só Ele é o Redentor!... Não será aí a Igreja se elevando muito alto por cima da terra, Elevaverunt arcam in sublime a terra23?
“Prendeu o Dragão, a Serpente antiga, que é o Demônio e Satanás, e amarrou-o por mil anos... Depois disto, deve ser solto por um pouco de tempo” (Ap. XX, 2-3).
S. Agostinho, Cidade de Deus, liv. XX, nº 8.
S. Hippol., De consum. mundi.
2 Tim. II, 9.
Mt. XXVIII, 19-20.
Gen., VII, 17. “Multiplicatae sunt aquae, et eleraverunt arcam in sublime a terra”.
Lacordaire. Sexta preleção: Des rapports de l'Église avec l'ordre temporel, t. II, p. 111, Paris, 158.
Dan. XII, 10.
Dan. XII, 3.
Dan. XI, 32.
S. Agostinho, Cidade de Deus, liv. XX, nº 8. Suarez em De Antichristo, sect. VI, n° 5, diz: “Com efeito, haverá muitos eleitos que não serão vencidos, e nos quais a Igreja permanecerá. Por isso no Apocalipse se coloca essa limitação: ‘Adoraram a Besta todos os habitantes da terra, cujos nomes não estão escritos, desde a fundação do mundo, no livro da vida’. Os Padres supracitados também supõem que naquele tempo haverão muitos e exímios mártires, que permanecerão firmes na fé até a morte; portanto, da mesma forma, muitos confessores continuarão nas montanhas e cavernas, e permanecerão vivos após a morte do Anticristo. Neles não se extinguirá o uso dos sacramentos e do sacrifício eucarístico desde seus lugares escondidos. Os perseguidores de então não poderão tirar-lhes essas coisas, a menos que cheguem ao seu conhecimento. Mas Deus não permitirá que o demônio vasculhe todos os lugares escondidos dos santos, e nem que os revele aos perseguidores”.
Dan. XI, 33.
Ap. XI, 3-13.
Heb. XI, 5.
2 Rs. II, 11; Eclo. XLVIII, 9.
Mt. XVII, 11; V. também Mal. V, 5; Eclo. XLVIII, 10.
Eclo. XLIV, 16.
Bellarmin, De Rom. Pont., lib. III, c. VI.
Bossuet, Prefácio à explicação de Apocalipse, XV.
Ap. XI, 3-7.
Estius, In Ecclesiastiq., XLIV, 16 ; XLVIII, 10 ; In Apoc., XI, 1-7 ; Corn. a Lap., In Eccl. et Apoc.
Suma Teológica, IIIa, q. 49, a. 5, ad 2.
Gen. VII, 17.