Nota de Verbum Fidelis: Esta é uma republicação na íntegra de uma tradução a qual eu havia divulgado originalmente no Medium e, posteriormente, no blog Dominus Est, ambos em 2018.
Conforme diagnosticou São Pio X em sua encíclica Notre charge apostolique, de 25 de agosto de 1910, o «pecado original» do Sillon não consistia numa falta de generosidade, mas sim numa falta de formação.
Esse fato é importante: Marc Sangnier e seus adeptos foram católicos piedosos e zelosos; infelizmente, seu ardor foi desviado por uma cruel falta de conhecimento e por sua emancipação da autoridade eclesiástica. É por isso que, antes de se lançar no campo da ação1, é indispensável instruir-se.
Ademais, antes mesmo de buscar os princípios da ação católica, é importante conhecer a natureza da ação católica. Mas, para aprender isso, convém examinar o objetivo da ação católica.
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I - OBJETIVO DA AÇÃO CATÓLICA: A CRISTANDADE
São Pio X forneceu uma descrição da natureza da Ação católica em sua magistral encíclica Il fermo proposito de 11 de junho de 1905:
«Com efeito, todos nós da Igreja de Deus somos chamados à formar um único corpo cuja cabeça é Cristo; corpo do qual, conforme ensina o Apóstolo Paulo, “coligado e unido por todas as juntas, por onde se lhe subministra o alimento, obrando à proporção de cada membro, toma aumento de um corpo perfeito para se edificar em caridade”.
E assim, nessa obra de “edificação do Corpo de Cristo” (…) Nosso primeiro dever é o de ensinar; de indicar o método a seguir e os meios a se empregar; de advertir e de exortar paternalmente; é também dever de todos Nossos caríssimos filhos ao redor do mundo ouvir Nossos conselhos e de aplicá-los antes em si mesmos e cooperar eficazmente para que eles também sejam comunicados aos demais, cada um conforme a graça que recebeu de Deus, conforme seu estado e suas funções e conforme o zelo que inflamar em seu coração.
Aqui Nós queremos somente relembrar essas múltiplas obras de zelo para o bem da Igreja, da sociedade e dos indivíduos — comumente designadas pelo nome de Ação Católica — que, pela graça de Deus, florescem em todos os lugares…».
A Ação católica, portanto, tem como objetivo a instauração do Reino de Jesus Cristo na Igreja, nas sociedades e nos indivíduos. Seu campo de atividade é imenso e diz respeito tanto à sociedade civil quanto à eclesiástica. Não se deve então reduzi-la ao apostolado privado. Ao contrário: ele visa a instauração integral do reino de Jesus Cristo.
Pode-se resumir isso em uma palavra, e São Pio X o fez em uma passagem célebre. O que se deve ter em vista é a restauração da «cidade católica»:
«Veneráveis irmãos, é preciso lembrar energicamente, nesta época de anarquia social e intelectual em que cada um se coloca como doutor e legislador, que não se construirá a cidade senão como Deus a construiu; não se edificará a sociedade se a Igreja não deitar as bases e não dirigir os trabalhos. Não, a civilização já não é mais algo a ser inventado, e nem é uma cidade nova a se construir nas nuvens. Ela já existia, ela existe, é a civilização cristã, é a cidade católica»2.
Os papas falam igualmente da restauração da ordem social. Que eles falem de ordem social ou de cidade católica, ou mesmo de civilização católica ou cristandade, isso indica um fim bem claro. Não se trata unicamente de agir sobre indivíduos ou micro-sociedades como a família, mas sim sobre a sociedade como um todo; em seu emaranhamento de instituições tanto sociais quanto políticas. É a vila, o bairro, a província e o país que devem ser cristãos. Incluem-se aí as corporações de ofício (hoje chamados de sindicatos), as empresas e as escolas.
Longe de se reduzir à cultura, ao aspecto midiático ou ocasional, a civilização cristã tende à cristianização plena dos indivíduos e das sociedades (tanto civil quanto eclesiástica) como foi a cristandade a qual se referiu São Pio X3.
Para compreender isso é preciso retornarmos a um dado fundamental de toda ação cristã, de toda a moral cristã e de toda a vida cristã: o dogma da graça.
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II - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Princípio fundamental: o dogma da graça
Esse dogma permite em todas as épocas buscar a maneira pela qual se deve considerar a vida cristã. Evidentemente, isso pressupõe nuances (muitas nuances), mas esse princípio é fundamental, de modo que esquecê-lo pode conduzir à catástrofes.
Esse princípio pode ser enunciado da seguinte maneira: a graça — ou a vida sobrenatural — vem se somar à natureza humana ferida pelo pecado original.
A vida sobrenatural é um acréscimo. Isso significa que não haveria a graça — a participação na vida divina — se não houvesse uma alma, um fundamento natural, uma inteligência capaz de conhecer Deus e um coração predisposto a amar Deus.
Por conseguinte, a santidade de um homem não é a mesma de um anjo, e a de um adulto não é a mesma de uma criança e assim por diante. É por isso que podemos dizer que a graça segue os contornos da vida natural.
A graça tem dois efeitos: o primeiro e mais fundamental consiste em elevar a natureza. Assim, o sobrenatural eleva a inteligência pela luz da fé e a vontade pela caridade; o sobrenatural eleva também a esperança e todas as virtudes morais.
A graça, todavia, não só eleva a natureza. Ela cuida da natureza humana ferida pelo pecado original, que está sempre pronta a cair no erro, na dureza de coração, nas facilidades, no amor pelo conforto, no egoísmo e na sensualidade. A graça vem para corrigir essas tendências ruins. Ela corrige o espírito pela Revelação sobrenatural e pela vida de fé; pela graça, a vontade é curada de seu amor próprio; de seu egoísmo, o espírito é curado pela caridade e pelas outras virtudes.
Diante desse dogma da graça que vem a penetrar uma natureza, elevando-a e corrigindo-a, surgem dois erros opostos que trazem consigo suas respectivas desventuras: o angelismo e o naturalismo.
— O angelismo enfatiza indevidamente o sobrenatural em detrimento do natural e da natureza ferida. No angelismo esquece-se que a santidade depende do chão no qual o sujeito está pisando. Concretamente, o angelismo para um cristão equivale a limitar-se à oração sem fazer seu dever de estado. Na vida profissional isso consiste em acumular as novenas para passar o serviço para outros sem contudo dar-lhe a devida atenção. Para uma mãe de família é estar na missa quando seus filhos voltam da aula ou quando seu marido volta do trabalho.
— O naturalismo consiste, ao contrário, em exaltar a natureza perdendo de vista não somente as feridas profundas da natureza (o pecado original), mas sobretudo as colaborações da graça e dos meios sobrenaturais. De maneira prática, um «apóstolo» naturalista pensa em converter as almas por meio de argumentos eruditos sem recorrer às orações e penitências. Um pai de família naturalista não pensa em dar ao seu filho os meios sobrenaturais: a criança fica numa escola não católica, cercada portanto de uma atmosfera na qual o sobrenatural está excluído.
No domínio da ação católica esses dados têm importância capital, pois deve-se levar em conta a natureza humana e a graça. Bem imprudente seria o missionário que não levasse minimamente em conta os costumes locais ou da natureza humana e se lançasse de cara no apostolado! «Fiz-me judeu com os judeus» dizia São Paulo com conhecimento de causa…
É precisamente isso que havia esquecido Marc Sangnier. Pecando pelo naturalismo, ele se enganou profundamente acerca da natureza humana e imaginou uma sociedade de iguais onde os então adultos teriam por força própria um comportamento responsável. Dupla quimera. Sangnier esquecia por um lado a desigualdade natural dos homens como origem de uma necessária hierarquia social e política, e do outro esquecia a ferida do pecado original como origem do comportamento repreensível e irresponsável de muitos homens.
São Pio X apontou o erro: o Sillon «trabalha para estabelecer uma era de igualdade que, em virtude de si mesma, seria uma era mais justa. Assim, para o Sillon, toda desigualdade de condição é uma injustiça (…)
Esse é um princípio supremamente contrário à natureza das coisas, pois é gerador da inveja, da injustiça e da subversão de qualquer ordem social»4.
Contrariamente a isso, a Igreja sempre ensinou que, para cristianizar um povo, deve-se conservar e proteger a ordem natural e seus costumes legítimos. É por isso que, na Ação católica, a primeira regra é se adaptar ao real; real esse que é um emaranhamento entre natural e sobrenatural. É preciso respeitar as duas ordens sem querer manter uma em detrimento da outra, e de tal maneira que a graça venha elevar e curar a ordem natural.
A Ação católica deve então ter o cuidado de agir de acordo com a ordem natural, entranhando-a da divina graça. Em poucas palavras, ela deve cristianizar a ordem das coisas.
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Segundo princípio: a natureza social do homem
A primeira aplicação desse primeiro princípio consiste em tomar nota de um fato da natureza: o homem não é um ser isolado. Ele vive em sociedade e não alcança seu bem de maneira individual, mas sim de maneira coletiva, social e política. Deixado sozinho, mesmo na ordem natural, o homem é incapaz de chegar ao seu bem especificamente humano: a virtude, considerada em seu duplo sentido de contemplação e integridade moral. Deixado sozinho o homem é um selvagem. Sem ser educado por sua família e pela sociedade, o homem permanece um perpétuo adolescente dominado por seus instintos mais grosseiros.
«A realização integral do bem especificamente humano, observa Lachance, está condicionada ao concurso uno e múltiplo da coletividade. É, portanto, a título de homem que o indivíduo é sociável. Se ele não tivesse bens espirituais a perseguir, a ele bastaria, como é o caso de muitas espécies de animais, viver em estado gregário»5.
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Os corpos intermediários
Por outro lado, a vida em sociedade não é um coletivismo em que há de um lado o Estado todo-poderoso e providente e do outro o indivíduo isolado. Esse coletivismo — intentado pelo comunismo ao preço da carnificina humana e naufrágios econômicos — não pode existir senão sob a forte pressão de poderosos órgãos políticos ou financeiros.
A ordem política natural não é assim. Ela comporta algo que chamamos de corpos intermediários. Isso quer dizer que entre o indivíduo e o Estado (o poder político supremo), encontram-se a família, o bairro, a cidade, a província, os empreendimentos locais, etc.
«Os corpos intermediários, escreveu René Pierron, são grupos sociais ou agrupamentos humanos situados entre o indivíduo isolado (ou a família, célula de base) e o Estado. Eles são constituídos — ora naturalmente, ora por acordo deliberado — tendo como objetivo atingir um fim em comum entre as pessoas que compõem esses grupos»6.
Michel Creuzet diz em seguida: «Esses grupos são complementares uns aos outros:
Local: grupo que se refere ao lugar de nascimento, de vida e de educação de uma pessoa: cidade, paróquia, comunidade (…)
Profissional: grupos que dizem respeito à atividade humana: empresa, profissão, trabalho, sindicatos (…)
Cultural: escola, faculdade local, companhia de música (…)
Religioso: a paróquia, a diocese e suas obras;
Recreativo: grupos esportivos, turísticos, de lazer, de colecionadores, etc.»7.
Cada conjunto de escalões intermediários constitui uma organização que aplica o princípio de subsidiariedade, a saber: um tipo de delegação, de descentralização do poder.
E cada corpo intermediário imprime sua marca no indivíduo. O homem é naturalmente marcado por sua família, sua cidade, sua formação, seu grupo profissional, seu país e sua cultura.
Por conseguinte, pretender cristianizar o homem separadamente das estruturas que estão presentes em sua vida é uma ilusão profunda. Se o homem vive num universo ateu, isto é, sem Deus na sua família, no seu trabalho, e em toda sua vida social, então, de maneira geral, é utópico pretender que ele tenha uma santificação verdadeira. Sendo assim, se se quer cristianizar o homem é preciso cristianizar a sociedade: os corpos intermediários e, em suma, todas as instituições sociais e políticas.
É o que a Igreja sempre se esforçou para conseguir: ela pegou o homem tal como ele era, dentro da sociedade. Então, após ter convertido os indivíduos, ela batizou as nações e as cristianizou: é a Cristandade.
Em suma, toda a doutrina social e política da Igreja pode se concentrar na aplicação desses dois primeiros princípios:
- A graça deve entranhar toda a natureza do homem sem destruí-la;
- Ora, o homem é sociável;
- Então a graça deve entranhar, sem destruir, toda a vida social e política do homem.
Conforme escreveu São Pio X, a Ação católica ultrapassa os arredores dos indivíduos: «Aqui Nós queremos apenas lembrar essas múltiplas obras de zelo, empreendimentos para o bem da Igreja, da sociedade e dos indivíduos, comumente chamadas pelo nome de Ação Católica».
Infelizmente, os intelectuais pouco familiarizados com as realidades concretas8 imaginam que não é necessário cristianizar as sociedades até às suas instituições políticas, e que basta que se obre no mundo da cultura e das ideias; que basta o falatório sobre o efêmero, sobre o cultural; que basta falar com o mundo, mostrar-lhe as coisas e dialogar.
Além da injúria feita aos direitos que Jesus Cristo tem de reinar sobre toda a realidade — tanto espiritual como temporal — , essa ideologia com verniz de cristianismo despreza a realidade concreta de um homem necessariamente influenciado pelo meio em que vive.
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Terceiro princípio: distinção das obras espirituais e temporais
Além disso, se a Ação Católica visa cristianizar o homem por inteiro, em toda sua natureza, então essa ação divide-se em dois tipos de obras:
— As obras estritamente espirituais como a liturgia ou o catecismo. Essas obras são ordenadas diretamente a um bem sobrenatural e sua realização depende imediata e diretamente da Igreja.
— As obras temporais nas quais se junta um elemento moral ou espiritual como cuidar de um doente ou restaurar a justiça. Essas obras são ordenadas diretamente a um fim temporal. Cuidar de um doente é, antes de tudo, uma obra natural; mas essa obra deve ser realizada no âmbito e no espírito cristão. Essa necessidade se vê hoje com as questões levantadas pela obstinação terapêutica, pela eutanásia e pela pesquisa embrionária. Esse domínio temporal depende diretamente das autoridades civis e indiretamente das autoridades eclesiásticas, de modo que as autoridades leigas devem obedecer às regras estabelecidas pela a Igreja no que diz respeito à fé e à moral. Com efeito, segundo São Pio X, o domínio moral «é o domínio próprio da Igreja»9. Ademais, conforme sublinhou São Pio X, a verdadeira civilização não pode existir senão sobre bases moralmente saudáveis. Portanto, a verdadeira civilização cristã não pode existir sem a Igreja.
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A Cristandade
Esse entranhamento sobrenatural da ordem individual, social, política, temporal e espiritual é o que a Igreja fez — graças à colaboração das autoridades civis — naquilo que se chamou Cristandade, e que São Pio X chamou de civilização cristã.
— Do ponto de vista estritamente religioso, a Igreja esforçou-se para desenvolver a vida sobrenatural:
Pela pregação da fé por meio de catecismo, sermões dominicais, missões paroquiais e literatura religiosa.
Pela proteção contra a heresia através da vigilância e proibição de publicações heterodoxas, das condenações, do index, da Santa Inquisição, etc.
Pelo culto: a missa em cada cidade, o ofício divino cantado e todas as diversas orações.
Pela fundação de inumeráveis ordens religiosas e monastérios que cobriram a Europa inteira.
Pela instauração de uma rede de paróquias que trazem à toda população o socorro cotidiano e familiar da Igreja.
Pela obra das missões apostólicas.
Pela fundação de terceiras-ordens, que são afiliadas às ordens religiosas.
— Do ponto de vista temporal, a Cristandade não aboliu a natureza. Ela não suprimiu a família, nem as cidades, províncias ou Estados, nem o trabalho, nem as classes sociais, nem o poder político, nem a guerra, nem a educação e nem a cultura.
Longe de suprimi-las, a Cristandade impregnou-as da divina graça:
A família: A Igreja fortificou-a trazendo-lhe uma indissolubilidade mais firme, abençoando-a e honrando a mulher e mãe de família cristã, especialmente pelo culto à Virgem Maria.
A cidade: A Igreja estabeleceu a cidade em torno da igreja e do altar e unificou-a em torno do seu cura. A Igreja ritmou também a vida da cidade não só com o som dos seus sinos e ofícios divinos, mas também com todo seu ciclo litúrgico e festas de padroeiros.
O trabalho: Longe de abolir e de exacerbar as desigualdades, Ela buscou permear sua influência sobrenatural nas confrarias corporativas. Ela inaugurou as festas dos padroeiros e instaurou o espírito cristão nos costumes e a caridade entre os membros.
As classes sociais: progressivamente, a Igreja suprimiu a escravidão. Por outro lado, ela abençoou e reforçou os votos de fidelidade para com as autoridades (os Senhores), ensinando os súditos a verem em seus superiores como espelhos da autoridade de Deus; e aos superiores ensinou quais eram os deveres pelos quais eles iriam prestar contas no tribunal divino.
O poder político: A Igreja batizou e converteu — não sem dificuldades — as autoridades políticas. Os nomes de Constantino e Clóvis (para citar apenas dois) estão para sempre gravados na memória da Igreja. Ela consagrou os reis para dar-lhes ajuda, uma base e orientação espiritual, ordenando-lhes a defender a fé e assegurar o bem e a proteção dos seus súditos, especialmente os pobres e os fracos.
A guerra: A Igreja instaurou a trégua de Deus e insuflou o espírito autenticamente cavalheiresco.
A educação: A Igreja cobriu a cristandade de escolas anexas às catedrais e depois de universidades, e ao mesmo tempo salvou de uma perda irreparável o patrimônio intelectual da Antiguidade.
A cultura: a arte em todas as suas vertentes não somente foi encorajada como foi cristianizada, elevada à posição de instrumento de culto.
E o que dizer das obras de beneficência feitas pelos hospitais que atendem aos desvalidos [Hôtels-Dieu], leprosarias e asilos de todos os tipos! Não acabaríamos nunca de enumerar as obras suscitadas pela Igreja em seu desejo de restaurar todas as coisas em Cristo Jesus.
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Cristianizar as estruturas
Dessa enumeração nos é imposta uma conclusão: a Igreja fundou e cristianizou as estruturas a fim de melhor cristianizar os indivíduos:
Na ordem propriamente espiritual, a Igreja fundou as estruturas; Ela sempre teve essa preocupação. Após a passagem dos missionários, seu primeiro esforço constante foi o de perpetuar o apostolado através da fundação de paróquias, dioceses, monastérios e ordens religiosas. Por exemplo, São Bento não teria difundido tanto sua ordem e não continuaria a difundi-la se não tivesse estabelecido estruturas e uma regra. Ele perenizou sua obra por meio de uma regra.
Na ordem temporal, a Igreja suscita e cristianiza as estruturas10. Ela não se contenta em marcar culturalmente as pessoas, mas visa batizar as estruturas. Aquele foi o erro do Sillon, do modernismo, de Maritain e de todos os liberais ao pretender que é preciso contentar-se com a ordem espiritual e alcançar os indivíduos sem procurar batizar as estruturas temporais. É um erro profundo que é condenado pela doutrina e pela prática tradicionais da Igreja.
Uma outra conclusão se impõe: essas estruturas são multiformes.
Na ordem espiritual a organização da Igreja não é totalitária. Não há o papa de um lado e logo em seguida o cura da paróquia. Não é um coletivismo religioso. Não é também um igualitarismo absoluto ou a democracia. Entre o papa e os curas das paróquias há os bispos. E em cada diocese há paróquias e obras diocesanas diversas, múltiplas, mais ou menos independentes umas das outras ou independentes das paróquias, as quais são da competência dos bispos ou pelo menos de Roma pelas obras nacionais (arqui-confrarias). Sem esquecer os religiosos e religiosas que respondem diretamente ao bispo ou ao papa.
Na ordem temporal a Igreja visa cristianizar os corpos intermediários: cidades e corporações; quando elas são ameaçadas, protegê-las (assim como na Antiguidade era o papel dos defensores das cidades que tinham os bispos ameaçados pelos invasores bárbaros); e quando elas são destruídas, reconstruí-las.
A Ação Católica dos homens do século XXI consiste então em buscar e proteger a cristianização das estruturas, dos corpos intermediários existentes e em recriar os corpos intermediários onde eles não existirem.
Entretanto, antes de prosseguirmos e expor os meios para alcançar isso, é preciso fornecer dois outros princípios essenciais da Ação Católica: as «relações que todas as obras da ação católica devem ter com a autoridade eclesiástica»11 e o caráter confessional dessas obras (isto é, se elas devem confessar absolutamente a fé católica).
No artigo anterior foram evocados os objetivos, assim como os três princípios da ação católica tais como o Magistério nos deu em seus ensinamentos:
O objetivo da ação católica é contribuir para a instauração do Reino de Jesus Cristo nos indivíduos, nas famílias e nas sociedades.
Esses três primeiros princípios12 da ação católica são os seguintes:
A ação católica deve se adaptar à ordem natural e impregná-la da graça. Em poucas palavras, ela deve cristianizar a ordem das coisas.
Sendo a natureza do homem sociável, a ação católica deve impregnar, sem destruir, toda a vida social e política do homem, ou seja, cristianizar os corpos intermediários e, finalmente, todas as instituições sociais e políticas.
Sendo dupla a natureza das obras humanas — temporal e espiritual — , os princípios da ação católica variam de acordo com esses dois modos. E esses princípios engendram outros:
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Quarto princípio: a ação católica deve estar submissa à autoridade eclesiástica
Se a ação católica visa instaurar o Reinado de Nosso Senhor na ordem puramente espiritual ou temporal, sua ação é eminentemente sobrenatural e diz respeito à ordem da graça. Ora, o que diz respeito à ordem da graça diz respeito à autoridade eclesiástica. Por conseguinte, a obediência condiciona o sucesso do apostolado, conforme ensina Pio XII:
«Essa estreita colaboração do laicato ao apostolado hierárquico, em uma inteligente e alegre obediência em relação aos chefes espirituais que o Espírito Santo colocou para reger a Igreja de Deus, é a garantia de sucessos sobrenaturais divinamente prometidos aos mensageiros do Evangelho (…)»13.
Contrariamente a isso, afastar-se da tutela eclesiástica nas esferas que lhe pertencem equivale a se privar das bênçãos do Céu.
O Magistério da Igreja é particularmente claro sobre esse capítulo da obediência. Em várias ocasiões os papas retornaram ao assunto, especialmente com o Sillon14. Essa insistência explica-se facilmente pela propensão recorrente na qual os leigos engajados na ação política e social emancipam-se voluntariamente da autoridade eclesiástica. Ativos na Cidade, esses leigos esquecem facilmente que as esferas sociais e políticas tocam a moral cristã e, por isso mesmo, dependem da hierarquia eclesiástica: «não se edificará a sociedade, insiste São Pio X, se a Igreja não deitar as bases e não dirigir os trabalhos»15.
Certas áreas dependem exclusivamente da autoridade temporal. Entretanto, muitas das áreas afetam, de alguma forma, as competências eclesiásticas. Em particular a educação, a medicina e a economia estão estreitamente ligadas aos princípios morais. E muito idealista seria aquele que imaginasse encontrar soluções gerais fazendo a economia sem uma direção moral.
Evidentemente, isso não significa que os leigos não tenham qualquer poder de direção e nem que a doutrina política da Igreja se confunda com a teocracia. Entretanto, isso significa que, por direito, os leigos permanecem sujeitos à hierarquia católica nos assuntos que tratam de fé e moral. A batina evidentemente não tem de dirigir os protocolos da pesquisa médica, mas se por ventura a pesquisa tiver como objeto os embriões humanos ou qualquer outra questão que concerne de alguma forma mesmo à moral natural, então a Igreja possui um dever e um direito de controle. É, portanto, para retomar uma expressão de São Pio X, uma «alta direção», e não um minucioso controle dos mínimos detalhes e aplicações.
Mais precisamente, a autoridade da Igreja distingue-se na medida em que a ação se relaciona diretamente a um assunto espiritual — como um patronato, um curso de catecismo, um grupo de orações — ou sobre uma questão temporal em que certos aspectos dizem respeito à fé e à moral, como a medicina ou as leis econômicas.
Assim, a direção de uma obra propriamente espiritual concerne diretamente e em todos os seus aspectos à autoridade eclesiástica. Por outro lado, a direção de uma obra propriamente temporal concerne diretamente à autoridade temporal e indiretamente à autoridade espiritual. A gestão de uma empresa depende por direito a um leigo, mas esse poder permanece sujeito à autoridade eclesiástica do ponto de vista moral. Dessa maneira, se um leigo vier a faltar com o direito cristão na sua gestão, a autoridade eclesiástica estaria em posição de — pelo menos por direito — penalizá-lo; como, por exemplo, se um diretor de empresa forçasse, por meio do seu próprio cargo, seus empregados a trabalharem de domingo.

Colocados esses princípios, podemos medir a amplitude e a extensão dos poderes da Igreja na Cidade: na medida em que a ação católica visa cristianizar as estruturas e os indivíduos, ela tende a um objetivo tanto espiritual como temporal. Ela não é então puramente temporal e, portanto, deve estar sujeita à hierarquia, ou seja, ao direito comum da Igreja, aos bispos. Tudo isso está, alias, nitidamente exposto por São Pio X:
«Resta-nos, Veneráveis irmãos, tratar de uma outra questão da maior importância: a relação que todas as obras da ação católica devem ter com a autoridade eclesiástica.
Se se considerar bem as doutrinas que Nós desenvolvemos na primeira parte da Nossa Encíclica, concluir-se-á facilmente que todas as obras que vêm diretamente ao encontro do ministério espiritual e pastoral da Igreja, e que por conseguinte se propõem a um fim religioso, visam diretamente o bem das almas e devem em todos os seus detalhes estarem subordinadas à autoridade da Igreja e, portanto, igualmente à autoridade dos bispos, que foram estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a Igreja de Deus nas dioceses as quais lhes foram confiadas.
Mas, mesmo as outras obras que, conforme dissemos, são especialmente fundadas para restaurar e promover em Cristo a verdadeira civilização cristã, e que constituem no sentido mais alto a ação católica, não podem de maneira alguma serem concebidas independentes do conselho e da alta direção da autoridade eclesiástica, especialmente porque todas elas devem se conformar aos princípios da doutrina e da moral cristã; e menos ainda é possível concebê-las em oposição mais ou menos aberta à essa mesma autoridade.
É certo que tais obras, dada sua natureza, devem se mover com a liberdade que lhes razoavelmente convém, pois é sobre elas mesmas que recairá a responsabilidade das suas ações, sobretudo nos assuntos temporais e econômicos, assim como naqueles da vida pública, administrativa ou política — todas elas alheias ao ministério puramente espiritual. Mas uma vez que os católicos carregam sempre o estandarte de Cristo, por isso mesmo eles carregam o estandarte da Igreja; e é, portanto, razoável que eles recebam-no das mãos da Igreja, que o guarda para que sua honra seja sempre imaculada, e que à ação dessa vigilância maternal os católicos submetam-se como filhos dóceis e afetuosos.
Daí fica manifesto o quão errado estavam aqueles que, embora poucos, aqui na Itália e sob Nossos olhos, quiseram se encarregar de uma missão que não haviam recebido nem de Nós e nem de qualquer um dos nossos Irmãos do episcopado; e que se puseram à cumpri-la não somente sem o devido respeito à autoridade, mas até mesmo indo abertamente contra a vontade dela, buscando legitimar sua desobediência por meio de distinções fúteis. Eles diziam, ainda assim, que levavam um estandarte com o nome de Cristo; mas tal estandarte não poderia ser de Cristo, pois eles não traziam consigo a doutrina do Divino Redentor, de modo que aplicam-se aqui essas palavras: “O que a vós ouve, a mim ouve: e o que a vós despreza, a mim despreza” [Lc. 10, 16]; “O que não é comigo, é contra mim; e o que não colhe comigo, desperdiça” [Lc. 11, 23]. Essa é uma doutrina de humildade, submissão e respeito filial»16.
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Quinto princípio: a ação católica deve ser confessional
Por ter um objetivo sobrenatural, a ação católica deve usar de meios sobrenaturais e propagar a fé católica. Necessariamente, ela vem acompanhada da profissão pública de sua pertença à fé católica. Se por infelicidade ela não o fizer, sua ação cessaria de ser propriamente católica e deveria antes se chamar ação neutra ou deísta, ou até mesmo ecumênica. Porquanto, a ação católica não deve ser aconfessional (sem religião) e nem mista (inter-religiosa).
Uma outra razão que conduz ao mesmo princípio: o católico deve evitar, na medida do possível, tudo aquilo que coloque em perigo sua fé ou a profissão pública da sua fé. É por isso que o católico deve evitar atuar em terrenos estreitamente ligados à fé ou à moral com os acatólicos.
Santo Tomás de Aquino observou muito justamente: «Assim, certos estão de tal modo firmes na fé, que se pode esperar, da sua convivência com os infiéis, que antes, os convertam do que percam a fé. Por onde, não se lhes deve proibir comuniquem-se com os infiéis, pagãos ou judeus, que ainda não receberam a fé; e sobretudo urgindo a necessidade. — Aos que porém forem simples e fracos na fé, cuja subversão possa provavelmente temer-se, se lhes deve proibir comunicar com os infiéis; e sobretudo para que não venham a ter com eles grande familiaridade ou com eles comuniquem, sem necessidade»17.
Ora, ser firme na fé supõe não somente tê-la, mas tê-la bem «arraigada» e bem formada; algo que é privilégio de poucos. Daí o escândalo frequente dos jovens de antigamente, que perdiam a fé no serviço militar e hoje perdem-na na universidade laica.
Essa defesa se compreende se entendermos a tendência natural da psicologia humana à colocar de lado a diferença (religiosa ou não) a partir do momento em que se trabalha em comum. Com efeito, a inclinação natural (ou naturalista) é relegar para segundo plano sua fé a fim de evitar se zangar ou desagradar seus colegas. Sob o pretexto de eficácia na própria ação apostólica, a tentação habitual consiste em se mostrar «discreto» acerca da sua fé, imaginando que se poderá mais tarde afirmá-la mais nitidamente. Isso é esquecer que a contrapartida da associação com acatólicos terá ela também um preço, e que será ainda mais difícil afirmar sua fé uma vez que ela já foi colocada entre parênteses.
Assim, é ilusório querer se opor ao aborto dissimulando suas convicções católicas e as razões propriamente católicas que sustentam essa defesa. Conformar-se com argumentos e slogans puramente filantrópicos equivale a deixar a ação propriamente católica.
Além disso, se por infelicidade, esse gênero de ação se enraizar numa prática habitual, o combate ao aborto não terá algo de verdadeiramente católico, mas antes de propriamente naturalista: acaba-se por não combater mais o aborto como antes sendo um pecado cometido contra Deus, mas sim como uma ofensa à Vida; algo que, no final das contas, está em conformidade com os pagãos:
«O perigo dessas colaborações, escreveu Mons. Lefebvre, reside na necessidade de dever ocultar os propósitos católicos que nos fazem agir e, assim, de dar a impressão que nossos propósitos são puramente naturais e humanos. Isso já é praticamente alinhar nossos propósitos de ação aos propósitos acatólicos»18.

Uma ação comum pode, entretanto, ser empreendida excepcionalmente com os acatólicos19, seguindo condições bem precisas, conforme resumiu Mons. Lefebvre:
«Nessa colaboração é preciso que nossos propósitos estejam claramente afirmados (1), e por conseguinte que o objetivo a alcançar seja especificado (2) e em geral breve (3), não necessitando contatos prolongados (4) que perturbem a afirmação da fé»20. Senão, isso constituiria «um ecumenismo prático inadmissível entre católicos e escandalosos»21.
Seguindo o mesmo princípio, o católico não deve entrar em sindicatos neutros ou mistos22. Ele não deve ter ação católica (ou seja, com um objetivo ou contato religioso) com os acatólicos.
No fundo, essa chamada a uma ação propriamente católica corresponde à uma tentação persistente aos homens de ação: abandonar os meios sobrenaturais em prol das ações exclusivamente naturais. Isso equivale a contradizer frontalmente o objetivo da ação católica, que consiste precisamente em cristianizar a ordem natural.
Ainda falta saber como escolher os meios adequados (naturais e sobrenaturais) para aplicar esses cinco princípios da ação católica.
Cristianizar a sociedade em todos os seus elementos e fazer irradiar Cristo Rei: tal é o desejo caro a muitos corações católicos.
Ainda é preciso saber como se tomar uma decisão acerca dos meios. Por isso, após ter evocado os grandes princípios da Ação católica, resta-nos ver como aplicá-los: em quais campos de ação23 e segundo quais condições.
«Ademais, importa — observa São Pio X — definir claramente as obras pelas quais as forças católicas devem se esforçar empregando toda sua energia e constância. Essas obras devem ser de uma tão evidente importância, responder de tal maneira aos desejos da sociedade atual, adaptar-se tão bem aos interesses morais e materiais — sobretudo os do povo e das classes mais pobres — , que, enquanto instiga nos promotores da ação católica a melhor atividade para obter os resultados importantes e certos que se devem esperar dessas obras, elas sejam também facilmente compreendidas e alegremente bem-vindas por todos»24.
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Privilegiar as estruturas
Além disso, mantidas inalteradas todas as outras coisas, parece necessário visar ainda mais as estruturas25 que os indivíduos. O indivíduo afeta os demais indivíduos e desaparece em seguida. A estrutura permanece.
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Privilegiar as estruturas já existentes
Essa atenção às instituições é dupla. Por um lado ela visa dar novamente um respiro às estruturas existentes, isto é, dar um verdadeiro espírito cristão; por outro lado ela visa fundar novas estruturas.
Esse apostolado pode então se ordenar em duas palavras: conservar e desenvolver. Antes de fazer melhor do que aquilo que existe, convém antes fazer bem aquilo que existe. Também vale mais proteger e desenvolver as obras existentes.
Infelizmente, esse princípio é frequentemente esquecido. Seduzido por uma idéia que lhe parece genial, o apóstolo se lança de cabeça numa obra que aos seus olhos parece indispensável: uma nova confraria, um novo círculo, um grupo de oração em torno de uma devoção esquecida há muito e que lhe parece imperativo ressuscitar26. Na Ação católica, assim como em tudo, é preciso desconfiar da tentação que tem aparência de bem.
Com efeito, frequentemente é preferível apoiar o que já existe. Além disso, é um meio certo de evitar o apego à uma obra pessoal e todos os inconvenientes humanos que ela traz consigo.
Num segundo momento, após ter desenvolvido uma obra suficientemente madura, é preciso expandir.
A Ação católica pode conter assim quatro partes:
Defender: o bem, a verdade, uma boa obra, etc. Trata-se aqui tanto de proteger uma boa obra quanto evitar a propagação do mal. Essa defesa é multiforme: impedir que se estenda o trabalho até o domingo, lutar contra as amostras de pornografia, opor-se à destruição da igreja da vizinhança, participar de conferências contraditórias27, ou petições como as que Leão XIII encorajou28.
Apoiar: muitas obras de salvação devem sua existência somente à ajuda de fiéis generosos (de suas pessoas ou de seus bens). Nos absurdos anos que se seguiram após o Concílio, muitos padres fiéis à Tradição tiveram a boa graça da ajuda de fiéis que não se contentavam em «se servir» e doavam de si mesmos. Esse tipo de ajuda é muito variado: devotar-se ao coral de uma paróquia, assinar a revista paroquial (além do bem recebido, é uma maneira de manter uma obra), colocar seus filhos nas boas escolas (além do bem primordial para as próprias crianças, trata-se de manter as obras existentes), preferir ir a um simpósio em vez de passear, ir à excursão até Lourdes [ndt: no caso do Brasil, à Aparecida] organizada pela paróquia em vez de fazer sua viagem «pessoal» na qual você só atende ao próprio interesse, etc.
Ampliar: Após ter apoiado ou mantido obras, é preciso reforçá-las e melhorá-las. Pode-se recrutar para os retiros espirituais, levar os novatos a um curso de catecismo, a uma escola, a um círculo de jovens famílias, a um acampamento de férias, etc.
Fundar: Enfim, após ter ampliado suficientemente, convém difundir por meio da fundação de novas estruturas: um curso de catecismo29, uma escola, um grupo de estudos, um círculo de Tradição ou um grupo de terço numa nova capela.
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Privilegiar as estruturas naturais
Além disso, é mais oportuno privilegiar as estruturas naturais e primordiais30 em vez das estruturas artificiais e secundárias, tanto da sociedade civil quanto da eclesiástica.
Por exemplo, se um leigo se pergunta se ele deve aplicar seu tempo livre na fundação de uma nova confraria ou na ajuda a uma escola, mais vale ajudar a escola; é mais necessário e mais fundamental.
Em um texto que dificilmente envelhecerá31, Pio XII indicou três campos de apostolado que um cristão deve considerar como prioritários. Não serão encontrados campos novos e inexplorados; ao contrário, o que se encontrará serão os terrenos clássicos e acessíveis a todo católico: a Igreja, a família e o trabalho32. O resto vem depois, tão logo estiverem fortificados e desenvolvidos esses campos de ação.
Esse ensinamento de Pio XII, afinal de contas, não foi senão uma aplicação do princípio segundo o qual devemos defender e restaurar os corpos intermediários33. A ação católica se diversifica enquanto visa a santificação:
Da família34: desde ajuda financeira até os acampamentos de jovens, passando pela monitoria de crianças durante a Missa e o Movimento Católico das Famílias. No mundo da Tradição, onde as jovens mães de família estão frequentemente sobrecarregadas, a organização mais estruturada de ajuda concreta às mães feita pelas jovens garotas que se devotam benevolentemente a tal atividade é um exemplo.
Da escola35: A obra das escolas representa um belo terreno para o apostolado. Essa ajuda, mencionada acima, pode se realizar de diversas maneiras. Sem dúvida é importante trazer uma ajuda financeira36. Os pais, que comumente não têm dinheiro, costumam deixar a situação mais confortável aos avós. Mas é mais benéfico ainda investir a sua própria pessoa, oferecendo-se benevolentemente para dar cursos caso possua habilidades que possam ser oferecidas37; ou ajudando a escola nas várias atividades que fazem parte dela: cozinha, manutenção e monitoramento de alunos.
Agremiações profissionais38: a Tradição conta ainda com diversos grupos desse tipo: Association Catholique des infirmiers et médecins [Associação Católica de enfermeiros e médicos], Association des Juristes Catholiques [Associação de Juristas Católicos]. Para apoiar esse tipo de agremiação pode-se entrar em uma, torná-la conhecida às pessoas próximas e propagar os materiais impressos e afins que demonstram sua necessidade.
Cidades pequenas e a vida política: Um certo número de fiéis conseguiu obter uma responsabilidade política e ter uma influência real. Destacam-se, dentre outras possibilidades de ação, a interdição de uma festa rave, a interdição da construção de uma mesquita, a restauração da igreja local, etc. O próprio Mons. Lefebvre encorajava os fiéis a ocuparem cargos de responsabilidade na vida política local, e o movimento Civitas o fez.
A ação católica é, portanto, bem mais completa que as manifestações de rua ou colagem de cartazes. Não que essas duas ações não sejam jamais boas, mas a ação católica deve ser mais profunda, mais durável e mais eficaz. Por conseguinte, ela não se coloca naquilo que é passageiro. E para ser mais eficaz, ela deve proteger e desenvolver antes de tudo as estruturas naturais.
E o que é verdade para sociedade civil é verdade para a sociedade eclesiástica39.
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Privilegiar os objetivos próximos
Na mesma linha de ideias de um apostolado que privilegia os meios naturais, convém antes se ocupar de objetivos ao nosso alcance em vez de se comprometer com um objetivo de grande envergadura ou afastado do nosso campo de ação.
Infelizmente, por conta da intervenção midiática, há uma tendência a se entusiasmar por uma obra longínqua; à se apiedar das vítimas cuja ajuda não nos é possível. Ora, a teologia moral é clara: nós devemos amar e ajudar nosso próximo, ou seja, aquele que é mais próximo de nós: próximos pela fé, pelos laços de sangue, pela nacionalidade, etc.
Em particular, antes de pensar em fundar todo tipo de associação, é preferível defender as estruturas que estão próximas de nós: nossa paróquia, a escola local, o grupo do priorado, etc.
Antes de fundar um grupo político ou de lutar contra a subversão, o pai de família deve se ocupar com sua esposa e com seus filhos.
É um sistema cristão e «civilizacional» que é preciso criar, e não uma insígnia cristã visível a todos e em todos os lugares. Portanto, não é preciso considerar o apostolado da mesma maneira que, grosso modo, considera-se o comércio. Essa distinção tem sérias consequências no emprego de meios mais concretos. Por trata-se de apoiar obras basicamente naturais como a família, os meios adequados serão frequentemente naturais e, por isso mesmo, acessíveis à maioria. O combate na internet, por exemplo, é certamente útil, mas secundário, e portanto ele deve servir para desenvolver as estruturas cristãs naturais. Quando se vê quanto tempo muitos dos fiéis passam olhando os sites da Tradição em busca de qualquer novidade, é o caso de perguntar se esses sites fazem um serviço ou um desserviço à vida interior dos fiéis, fim supremo do apostolado.
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Os meios artificiais
Além disso, ao se esforçar para manter uma obra artificial (como um site de internet) os meios utilizados serão mais artificiais e mais perigosos de se manusear, valorizando mais a imaginação e o «marketing» do que a vida interior e o dever de estado, predispondo o apóstolo mais à superficialidade do que à mortificação ou à interioridade ou ao sobrenatural.
Por infelicidade, quem é da era da comunicação em massa sonha com meios proporcionais à sua ambição. Sonha-se com meios artificiais e fáceis: grande manifestação, grande público, mailing, programas de rádio, televisão ou internet. São meios artificiais cujos resultados são frequentemente escassos… sobrenaturalmente. Frequentemente os meios artificiais levam a resultados sensacionais… mas artificiais. O efeito está à altura da causa. Se o apóstolo usa de todos os meios para obter sucesso, esses meios artificiais, que os santos sabem usar, vêm num segundo momento.
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Manifestação ou confissão pública
Um desses meios artificiais restantes é a manifestação pública com seus slogans, tais como aquelas manifestações que se vê passar na capital todos os dias.
Essa manifestação de caráter escandaloso deve ser absolutamente distinta de uma manifestação de confissão pública de fé, como é uma procissão do Santíssimo Sacramento. Tal confusão seria funesta tanto num sentido como no outro. Uma procissão é uma ação que decorre naturalmente e estruturalmente da fé católica. Não há nada de artificial no próprio conceito de uma procissão ou de um desfile, pois é natural ao homem e ao cristão manifestar publicamente aquilo que ele louva — ou mesmo aquilo que reprova. Um desfile militar, uma procissão do Santíssimo Sacramento, uma festa local com seus desfiles inocentes são obras que decorrem da natureza social do homem. Uma procissão em honra à Virgem Maria é tudo, menos um meio artificial de apostolado, mesmo se uma procissão vir a ser algo que vise o aspecto quantitativo ou sensacional.
Em contrapartida, esses qualificativos (a artificialidade, o aspecto quantitativo e sensacional) adequam-se naturalmente à manifestação pública criada na democracia moderna, porquanto ela é uma caricatura da natureza sociável do homem, na qual uma trupe instigada pela fúria berra insultos com tal desordem, que não se pode nem mais falar em desfile. Noutros casos, a manifestação parece um passeio de classe para adultos no qual as pessoas soltam balões e, desta maneira, acreditam estar servindo à uma causa.
Nossa época usa e abusa das manifestações. Ademais, estas se integram perfeitamente ao sistema democrático. A democracia tem como fundamento — oficial — a multidão; A multidão faz as leis. Além disso, num sistema democrático, a manifestação de massa serve de válvula de escape. Como nos dias do carnaval de Veneza em que um manifestante que gritou sem parar para seus governantes após ter se vestido com uma camiseta adequada à situação — isso mostra o quanto o homem moderno precisa sempre se cobrir com um disfarce — ; voltou a se acalmar por ter então se manifestado diante de todos. Ele protestou publicamente o tanto que pôde e desfrutou da satisfação de ter ao menos defendido aquilo que lhe é caro.
O apóstolo reluta em usar esse meios. Se ele o usa, é a contragosto; e só após ter constatado que, nas circunstâncias presentes, esse meio ficou como o único utilizável — um pouco como a greve justa na qual as condições de legitimidade são tão severas quanto raras. Em termos de eficácia, raramente compensa.
Bem mais vantajoso são os campos de influência e direção. E, novamente, trata-se de privilegiar a qualidade de ação e não a multidão de ativos.
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As posições de influência
«É certo, lembrou São Pio X, que as constituições atuais dos Estados dão indiscriminadamente a todos a faculdade de exercer influência sobre a coisa pública; e os católicos, com o devido respeito às obrigações impostas pela lei de Deus e pelos preceitos da Igreja, podem certamente usar isso em proveito próprio; e podem de tal maneira, que eles podem se mostrar tão capazes como os demais (ou mesmo mais do que os outros) ao cooperar com o bem-estar civil e social do povo. Ao fazer isso, eles adquirirão aquela autoridade e prestígio que lhes tornarão capazes de defender e promover os bem maiores, ou seja, os bens das almas»40.
E de maneira ainda mais explícita, Leão XIII, em um documento maior sobre a Ação católica, Graves de communi, de 18 de janeiro de 1901, lembrou a importância das posições de influência: «Deve-se, sobretudo, recorrer à benevolente ajuda daqueles cuja posição, fortuna, cultura espiritual ou moral garantem-lhes mais influência na sociedade. Estando ausente essa ajuda, dificilmente será feito algo de verdadeiramente eficaz que venha a melhorar, da maneira que se gostaria, a vida das pessoas».
Além disso, são diversos os postos de influência no seio da sociedade civil. Eis alguns exemplos:
O padre. Pode parecer surpreendente colocá-lo aqui. Com efeito, embora seu poder de decisão ou de direção seja quase inexistente na cidade, seu poder de influência é considerável. Evidentemente não é ele quem vai dirigir o funcionamento de um empreendimento. Mas ao exercer sua influência sacerdotal tanto sobre os diretores quanto sobre os empregados, ele espalha-a sobre a empresa. Pela pregação no púlpito, no confessionário, no catecismo, na direção espiritual, por meio da escrita ou das conferências, ou antecipadamente na formação escolar, ele exerce uma influência real, invejada pelos inimigos de todo aquele que é cristão.
O jornalista, a mídia. Neste caso também, seu papel de decisão é quase nulo. Todavia, seu poder de influência, sobretudo num mundo dominado pela opinião pública, é extremamente forte.
O professor. Ele insufla um espírito, uma maneira de julgar, de pensar e, portanto, de agir. O ofício de professor, embora difícil de se exercer nos dias de hoje, permanece um dos mais belos e mais úteis no que diz respeito à obra civilizatória.
O médico, o advogado, em suma: o notável. A influência do médico é conhecida: curando os corpos, é raro que ele não venha a desempenhar qualquer papel sobre as almas. Ademais, o notável, seja qual for, permanece uma referência. Se o médico, o advogado ou o tabelião vão à missa tradicional e têm uma família numerosa com filhos bem criados, eles tornam-se referência e acabam ficando conhecidos em seu círculo pessoal, em seu segmento profissional e em sua clientela.
Esse papel de influência é muito importante, especialmente por ele não necessitar de um grande número de pessoas e nem a possessão de uma autoridade efetiva. No jargão moderno, estamos falando de lobbying. Este termo é frequentemente entendido num sentido subversivo, embora não seja necessariamente o caso. Pelo menos não para os católicos.
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Dirigir
Por fim, acima do poder de influência, encontra-se o poder de direção. O diretor de uma empresa, o chefe de uma equipe médica num hospital, um oficial superior e o enfermeiro chefe: todos têm grande importância. Suas decisões repercutem desde o topo até a base da hierarquia e lhe dão um caráter. É o superior que insufla caráter na hierarquia ou deixa que outro lá se instaure. Pode-se atenuar os efeitos de uma má direção ou melhorar ainda mais os efeitos de uma boa; substituí-la, jamais. O que é conhecido na esfera profissional (pontualidade e competência) é também verdadeiro no domínio moral.
Alguns exemplos concretos surgem: que um diretor não admita anedotas picantes ou hostis à religião por parte de seus colaboradores não é indiferente ao caráter do conjunto.
«A bondade e a justiça dos princípios cristãos, ressalta São Pio X, a reta moral que professam os católicos, seu inteiro desinteresse por aquilo que lhe é pessoal, a franqueza e a sinceridade com aqueles que buscam unicamente a verdade, o sólido, o supremo bem dos outros, enfim, sua evidente aptidão para servir os verdadeiros interesses econômicos do povo: tudo isso não pode deixar de causar impressão sobre o espírito e sobre o coração»41.
Além disso, e mesmo que a ideia seja rejeitada, o chefe representa sempre um pai e um modelo. Ademais, ele pode se permitir certos conselhos ou admoestações que um outro não poderia.
Novamente, não é portanto uma questão estatística ou de números42. É uma questão de mérito e de prática concreta da vida cristã na vida profissional, especialmente através da competência. A consequência apostólica é nítida. É preciso ser ambicioso para influenciar e dirigir. Não é um orgulho disfarçado; é, ao contrário, uma caridade cristã bem esclarecida que é antípoda da pusilanimidade fácil e cômoda que camufla a preguiça e a indiferença ao bem comum da Cristandade.
Não é preciso nem dizer que essa ação apostólica pressupõe que o apóstolo atenda à certas condições.
Por mais pertinente que sejam os campos de ação do Apóstolo, e por mais elevado que esse campo seja na sociedade, sua eficácia depende necessariamente de algumas condições pessoais.
Ora, o católico que deseja ver o reino de Jesus Cristo intervém em dois tipos de esfera bem distintas: uma puramente espiritual e a outra puramente temporal. Além disso, o verdadeiro apóstolo deve ser dotado de qualidades espirituais e humanas.
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Meios sobrenaturais
Um adágio filosófico extremamente simples ensina que a causa e o efeito são proporcionais. Se o apóstolo pretende fazer uma obra sobrenatural, ele mesmo deve ser profundamente sobrenatural. Caso contrário, sua ação será humana, e o fruto… humano. Se o apóstolo quer obter um fruto bem profundo e durável, ele mesmo deve ter um vida interior profunda.
O apóstolo deve, portanto, ter necessariamente como apoio uma profunda vida interior. Por isso é que os papas insistem tanto na vida de oração que deve dirigir toda a ação católica, que por sua vez é um prolongamento da ação salvífica de Cristo e dos Apóstolos. E, com efeito, trata-se de uma verdadeira vida de oração, e não do cumprimento de alguns exercícios de piedade. É uma vida de piedade, e não um verniz de piedade que não teria qualquer influência sobre a maneira de viver e julgar.
Essa vida de oração deve igualmente ser acompanhada de uma vida de fé sólida e instruída. E a formação doutrinal deve também ter uma importância de primeira ordem. Enfim, o apóstolo não deve poupar-se de um verdadeiro espírito de sacrifício.
Conforme escreveu São Pio X, «Antes de tudo, é preciso estar profundamente convencido de que o instrumento é inútil se ele não é apropriado ao trabalho que se quer executar. Conforme o que foi evidenciado acima, a ação católica, na medida em que se propõe a restaurar todas as coisas em Cristo, constitui um verdadeiro apostolado para a honra e glória do próprio Cristo. Para bem cumpri-lo, é preciso que se tenha a graça divina e que o apóstolo só a receba se estiver unido a Cristo. Somente quando tivermos formado em nós Jesus Cristo é que podemos mais facilmente trazê-Lo às famílias e à sociedade. Todos aqueles que são chamados a dirigir ou que se consagram à promover o movimento católico, devem ser católicos à toda prova, convictos de sua fé, firmemente instruídos nos assuntos religiosos, sinceramente submissos à Igreja e especialmente à suprema Sé Apostólica e ao Vigário de Jesus Cristo sobre a terra; eles devem ser homens de piedade verdadeira, de varonil virtude, íntegros nos costumes e de uma vida de tal modo intemerata que eles sirvam a todos de eficaz exemplo.
Se a alma ainda não está preparada, não só será difícil promover o bem aos demais, mas será quase impossível agir com retidão de intenção e faltar-lhe-ão as forças para suportar com perseverança os problemas que surgem com todo apostolado: as calúnias dos adversários, a frieza e pouca ajuda até mesmo dos homens bons, e finalmente há às vezes os ciúmes dos amigos e dos companheiros de luta (sem dúvida perdoável, dada a fraqueza da natureza humana, mas muito danoso e causador de discórdias, de ofensas e querelas intestinas). Somente uma virtude paciente e firme no bem, e ao mesmo tempo suave e delicada, é capaz de remover ou diminuir essas dificuldades de maneira que a obra a qual estão consagradas as forças católicas não sejam comprometidas. A vontade de Deus, dizia São Pedro aos primeiros cristãos, é que, obrando, vós caleis os insensatos: “porque assim é a vontade de Deus, que obrando bem façais emudecer a ignorância dos homens imprudentes” [1Pe 2, 15]»43.
Quase meio século mais tarde, Pio XII renovava a mesma advertência insistindo na virtude pessoal. Esse esclarecimento nos parece capital conforme cresce a cada dia a distância entre a vida em comum e a vida pessoal: zelosos em grupo na ocasião de alguma manifestação, muitos católicos abdicam da luta quando estão isolados.
Esses meios sobrenaturais são evidentemente usados nas obras puramente espirituais como um grupo de oração, no apostolado do catecismo, etc. Mas eles têm da mesma maneira seu lugar necessário nas obras temporais: um trabalhador cristão irradiará em sua empresa se ele conhece seu catecismo, se ele é aplicado ao seu dever de estado, se ele reza em seu trabalho, evita as palhaçadas e outras palavras que soam inconvenientes na boca de um cristão, etc.
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Qualidades naturais
Dito isso, as qualidades naturais não devem entretanto ser deixadas de lado, longe disso. Seria um sonhador o apóstolo que negligenciasse suas reuniões de apostolado ou de ação sob o pretexto de que ele oferece seu apostolado à Providência. Seria cair num angelismo bem afastado do espírito do cristianismo.
Esses meios naturais são os seguintes: a organização metódica — ou mesmo científica — , a competência, o espírito de equipe, a polidez e a pontualidade. Em suma, esses meios são aqueles que têm todo espírito sério que se lança num empreendimento.
Quantas ações de pequena ou grande envergadura falham por falta de preparação suficiente, por uma estupenda negligência dentre os apóstolos (uma negligência, todavia, sobrenatural), que não permitiriam tal desleixo se se tratasse de seu dever de estado profissional. Pense nas equipes de um movimento de juventude que parte de noite para uma sessão de amostra de cartazes. Eles recitaram antes seu rosário, mas não pensaram em trazer consigo a cola, em ter um plano direcionado àquele segmento visado e discutem entre si sobre preferências supérfluas. E eis que eles se surpreendem com o pouco sucesso do empreendimento.
A imprecisão, a improvisação e o amadorismo devem ser banidos se se tem alguma ambição de sucesso. Como em todas as coisas naturais e sobrenaturais, a negligência não pode jamais produzir frutos.
«…para que a ação católica seja eficaz em todos os aspectos, advertiu São Pio X, não basta que ela seja proporcionada às necessidades sociais atuais; convém antes que ela se faça valer por todos os meios práticos que lhe fornecem hoje o progresso dos estudos sociais e econômicos, as experiências já realizadas em outros lugares, as condições da sociedade civil e a própria vida pública dos Estados»44.
Ademais, essa ação não deve ser unicamente individual, caso contrário ela seria ineficaz. Ela deve ser dirigida ao cerne das organizações estruturadas e hierarquizadas45. Querer agir unicamente de uma maneira solitária reduz consideravelmente o campo e a eficácia do apostolado. O individualismo não convém de maneira alguma, sobretudo no apostolado!
Evidentemente, esses meios naturais são identificados nas obras mais diretamente temporais, mas também se encontram nas obras puramente espirituais: o apostolado de um movimento de juventude desenvolve melhor se os membros desse movimento são pontuais, organizados, disciplinados e sabem trabalhar em equipe. Eis, por exemplo, uma conferência sobre um assunto espiritual programada para acontecer num horário determinado. Mas os membros interessados chegam à conta-gotas, de modo que a conferência não pode começar senão com meia hora de atraso. Resultado: a refeição prevista após a conferência é marcada para outro dia (e isso irrita a todos), e a prece final é abreviada — quando não pura e simplesmente suprimida. A falha pode incidentalmente vir do próprio conferencista, cuja intervenção pode ser desleixada e mais longa que o previsto. E então, os que vieram pela primeira vez prometem a si mesmos nunca mais voltar num movimento em que os slogans de campanha são diametralmente e ridiculamente opostos às realidades concretas.
É um fracasso: os membros são desencorajados e o demônio esfrega as mãos.
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A necessidade de uma elite
Em outros termos, a Ação católica requer um espírito de perfeição antípoda ao espírito do mundo, do espírito de facilidade e do diletantismo. Se o católico quer se envolver em uma ação de qualquer extensão, então que ele se envolva com coragem e perseverança, munido de todas as qualidades que preparam as vitórias do futuro.
Na ordem sobrenatural, somente os santos, as almas verdadeiramente naturais, fazem as coisas avançarem e convertem as almas. Os 12 apóstolos converteram o mundo. Hoje, quantos milhões de católicos há? Eles fazem a Igreja avançar?
Na ordem natural só os espíritos judiciosos, metódicos, organizados e audaciosos obtêm sucesso. Nessa esfera, a competência, o método, o esprit de finesse [espírito de perspicácia] e a força de convicção trazem consigo as boas recomendações. Hoje em dia, quantos católicos consideram o apostolado não como um passatempo, mas como uma ação cuidadosamente organizada, atenciosamente preparada e pacientemente conduzida?
Por fim, quaisquer que sejam as qualidades requeridas, tudo se reduz a isto: o espírito de perfeição. Que possam todos os católicos cultivar esse espírito em vez de simplesmente sonhar com ele. Só o espírito de perfeição poderá trazer de volta à Igreja e à Cidade o brilho com o qual sempre resplandeceram e que são capazes de irradiar em todas as épocas.
Fim.
Texto original publicado no periódico Le Chardonnet nºs 260, 261, 268 e 269. Todos disponíveis no site La Porte Latine.
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Poderíamos acrescentar que não somente antes, mas durante a ação. Porquanto, podemos nos formar, e depois, no ardor da ação, esquecer ao longo dos meses e anos a formação inicial. Assim se explicam muitas deserções e desvios progressivos.
São Pio X, Notre Charge apostolique, 25 de agosto de 1910.
A questão, do ponto de vista puramente humano, acerca da possibilidade atual e imediata de tal empreendimento é outra. No entanto, não se pode pôr em causa os princípios e, em particular, o dever de se tender em direção a esse ideal. Além disso, na política — cristã ou não — o pior dos erros é considerar-se derrotado com antecedência. Toda a história da Igreja manifesta, ao contrário, a possibilidade, sob as condições mais sombrias, do estabelecimento do Reinado Social de Jesus Cristo. Cf. as conversões de Constantino ou Clovis assim como a epopéia de Santa Joana d’Arc.
São Pio X, Notre Charge apostolique.
Louis Lachance, O.P. L’humanisme politique de St Thomas d’Aquin «individu et état» — Editions Sirey, p. 71.
Citado por Michel Creuzet, Les corps intermédiaires, ed. des cercles Saint Joseph, supplément à Verbe, n° 137 et 138, p. 11.
Ibidem.
Jacques Maritain destacou-se muito por sua preocupação em estabelecer o reinado de Cristo não de forma política, mas cultural. Cf. sua obra Religion et culture publicada em 1930 e que já cheirava a enxofre.
São Pio X, Notre Charge apostolique.
Na sua encíclica Graves de communi de 18 de janeiro de 1901, sobre a Ação Católica, Leão XIII evocava essas instituições: «Essa ciência da caridade que Cristo transmitiu, os apóstolos colocaram-na em prática e aplicaram-na com religioso zelo. E após eles, aqueles que abraçaram a fé cristã tomaram a iniciativa de criar uma grande variedade de instituições para o alívio de todos os tipos de misérias que afligem a humanidade.
Essas instituições, que perpetuamente progridem, são a propriedade, a glória e o ornamento da religião cristã e da civilização que foi originada por ela. Assim, os homens de reto juízo não podem deixar de admirá-las, dada sobretudo a acentuada inclinação que cada um de nós tem para buscar antes os próprios interesses em detrimento do próximo (…); uma das glórias da caridade é não somente aliviar as misérias do povo por meio de auxílios passageiros, mas principalmente através de um conjunto de instituições permanentes. Com efeito, dessa maneira os necessitados encontrarão uma garantia certíssima e mais eficaz. Também é digno de elogios o intento de ensinar os artesãos e trabalhadores a adquirirem seu sustento e provisões futuras, a fim de que ao longo do tempo eles assegurem por si mesmos, pelo menos em parte, seus respectivos futuros.»
São Pio X, Il fermo proposito.
Para ser mais preciso, o Magistério fornece esses princípios sem estabelecer explicitamente sua ordem e sua articulação.
Citado em Consignes aux militants, Les enseignements pontificaux réunis par les moines de Solesmes, Desclée n° 142, p. 76.
Ver os índices dos volumes de Le Laïcat e Consignes aux militants, enseignements pontificaux réunis par les moines de Solesmes, que citam abundantemente o ensinamento de Leão XIII, São Pio X, Bento XV, Pio XI e Pio XII.
São Pio X, Notre Charge apostolique, 25 de agosto de 1910.
São Pio X, Il fermo proposito.
Suma Teológica, IIaIIae parte, q. 10; art. 9.
«Essa carta foi enviada em 1990 à Hervé Bigeard, então presidente da MJCF, a propósito de um projeto de ações anti-aborto que seriam realizadas em parceria com a “liga pela Vida”, uma organização não-confessional», Jean Belem em «S’unir à des nonchrétiens?», Fideliter, julho-agosto de 2005, n.º 166, p. 22, citando essa carta de Mons. Lefebvre.
Cf. Singulari quadam caritate de 24 de setembro de 1912, cujo artigo da Fideliter citado acima fornece as passagens.
Ibidem. Os números entre parênteses foram acrescentados por nós.
Ibidem. Ver os textos pontificais citados pelo artigo do periódico Fideliter citado acima.
Cf. Breve apostólico ao conde da Albânia, 19 de março de 1904. Actes de saint Pie X.
Campo e meio de ação estão ligados. Escolher seu terreno é o meio de ser eficaz.
São Pio X, Il fermo proposito.
Por estrutura entendemos tudo aquilo que dura além dos indivíduos e que pode mais ou menos contribuir para manter um espírito cristão. São evidentemente as corporações, escolas, mais ainda as festas cristãs de preceito como a segunda-feira de Pentecostes, a igreja do povoado, a cruz na entrada da cidade, etc.
Um velho cura, cansado da multidão de obras que dispersavam seu rebanho, anunciava corajosamente a quem lhe pedia para fundar uma nova confraria, que ele já pertencia por batismo à confraria dos 10 mandamentos, os quais já tinham grande necessidade de ser defendidos e protegidos!
Em março de 2010, o cardeal Vingt-Trois convidou um rabino para falar na catedral; um grupo de fiéis alegremente interveio recitando o rosário cantado e, por isso mesmo, obrigou o rabino a se retirar para a sacristia.
«É preciso usar a ação, as petições, colocar tudo em ação na medida do possível, nos limites da lei, e não descansar enquanto que não Nos for restaurada — e não apenas em aparência — essa liberdade [da Santa Sé na Itália]» Le Laïcat, Les enseignements pontificaux réunis par les moines de Solesmes, Desclée, n° 119, p. 90.
Uma jovem mãe de família, recentemente chegada na Tradição, teve a feliz iniciativa de fazer um curso de catecismo para as crianças em sua casa. E o sucesso teve a altura do seu esforço. Sobre esse assunto, ver os encorajamentos de São Pio X em Le Laïcat, n° 310, p. 195.
O senso prático e o espírito sobrenatural de Mons. Lefebvre sempre o levou a fundar prioritariamente obras sobrenaturais fundamentais antes de (re-)fundar estruturas mais secundárias (sem ser supérfluas). Sua principal e mais importante obra prática continua sendo a fundação de um seminário e em seguida a Fraternidade São Pio X com seu conjunto de obras que dali nasceram: os outros seminários, os priorados, as casas de retiro espiritual, as escolas, as Terceiras-Ordens, etc. Desses priorados e distritos surgem ou são divididos hierarquicamente muitos outros movimentos diversos e secundários: A Cruzada eucarística, a Legião de Maria, Civitas, os Veteranos aposentados, etc.
Cf. Consignes aux militants, Les enseignements pontificaux réunis par les moines de Solesmes, Desclée n° 187, p. 97.
O Marechal não estava, portanto, afastado desse pensamento quando ele substituiu justamente, enquanto chefe de Estado, a Igreja pela Pátria e defendeu a restauração nacional reunindo todos em torno do trabalho, da família e da pátria.
Na encíclica Mater et magistra, João XXIII, seguindo Pio XI, lembrou a necessidade da «reorganização da vida social mediante a reconstituição de corpos intermediários autônomos com finalidade econômica e profissional, criados pelos particulares e não impostos pelo Estado». Citado por M. Creuzet, Les corps intermédiaries, 1ª e 2ª parte, ed. Cercles Saint Joseph, Martigny, sem data de edição, p. 54.
Cf. Leão XIII em Le Laïcat, n° 168, p. 121.
Cf. Pio XI em Le Laïcat, n° 42, p. 38.
Especialmente passando pela Association de Défense de l’École Catholique (ADEC).
Graças a Deus, esse exemplo — como muitos outros citados aqui — não são teoria, mas uma realidade em diversos locais da Tradição para a maior edificação das crianças.
Cf. Le Laïcat, São Pio X, nº 387 e 388 e Pio XI nº 533.
É particularmente lamentável constatar que se sonha com maior frequência em formar um novo grupo de oração do que ir às Vésperas, que por sua vez constituem A oração litúrgica de Cristo em sua Igreja. Queira Deus que a energia empregada pelas orações privadas seja direcionada à prece litúrgica!
São Pio X, Il fermo proposito.
São Pio X, Il fermo proposito.
Como dizia Santo Afonso de Ligório: «Se eu conseguisse ganhar um rei, teria feito mais pela causa de Deus do que se tivesse pregado em centenas ou milhares de missões». Citado por Creuzet, op. cit., p. 55.
São Pio X, Il fermo proposito.
Ibidem.
Cf. Léon XIII, Le Laïcat, Les enseignements pontificaux réunis par les moines de Solesmes, Desclée, n° 150; Pie XI, ibidem, n° 548.