“Salomão e Santo Tomás de Aquino”, um olhar sobre os dois grandes sábios de Deus
pelo Pe. Augustin Lémann
Discurso pronunciado na insigne Basílica de Saint-Sernin em Toulouse, França, 7 de março de 1885, onde se encontram os restos mortais de Santo Tomás de Aquino.
“Hi sunt duæ olivæ et duo candelabra in conspectu Domini terræ stantes.
São as duas oliveiras e os dois candeeiros, postos diante do Senhor da terra” (Ap. XI, 4)
Eminência1,
Monsenhores2,
Meus irmãos,
Essas palavras do Espírito Santo no Apocalipse referem-se especialmente à missão de Elias e Enoque, que devem ressuscitar a fé nos últimos tempos.
Todavia, em um sentido que não tem nada de exagerado, elas podem ser aplicadas também a dois homens igualmente extraordinários; a dois homens igualmente excepcionais que já passaram pela terra, sendo um nos séculos mosaicos e o outro nos séculos cristãos: Salomão e Santo Tomás de Aquino! São as duas oliveiras e os dois candeeiros, postos diante do Senhor da terra.
Harmonizar esses dois homens, esses dois candeeiros, Salomão e Santo Tomás de Aquino, a fim de estudá-los e compará-los em suas luminosas missões, tão dignas de consideração, não seria obra inútil, seja do ponto de vista da inteligência, seja até mesmo do ponto de vista do governo da vida.
Os limites desse paralelo se encontram naturalmente determinados pelas linhas gerais históricas da vida de cada um deles.
Com efeito, é preciso estudar Salomão e Santo Tomás:
1º Na aquisição da sabedoria e da ciência;
2º No esplendor da plenitude;
3º Nas provas as quais cada um foi submetido e as consequências que daí decorrem.
Assim será como dividiremos este trabalho de harmonização que certamente não vos surpreenderá, visto que nenhum de vós certamente se esqueceu que no centro da reunião dos Padres reunidos em Trento, sobre uma mesa ricamente enfeitada, assim como sobre um trono de honra, dois livros ali repousavam: a Bíblia, onde figura Salomão; e a Suma Teológica, obra de Santo Tomás.
Eminência,
O peregrino que visita o convento dos dominicanos, em Nápoles, ainda hoje detém-se respeitosamente na entrada de uma grande sala. Ali, a imagem de um Irmão pregador, coroado pela auréola dos santos, atrai nossos olhares e, sob essa imagem, há a seguinte inscrição feita no mármore: Antes que entreis, venerai esta imagem e este púlpito, onde outrora o célebre Tomás de Aquino, pela glória de Deus e felicidade de seu século, deu a ouvir seus oráculos a um número infinito de discípulos; o rei Carlos I proporcionou esse benefício ao seu reino e assinalou uma onça de ouro de pensão para cada mês3.
Ao considerar os méritos dos sábios professores do Instituto católico de Toulouse e o imenso bem que esse instituto é chamado a realizar na sociedade, perguntei-me se não haveria algo desse tipo de louvor que a posteridade agradecida um dia gravará, Monsenhor, em torno do nome abençoado de Vossa Eminência, bem como em torno dos nomes igualmente abençoados dos veneráveis Arcebispos e Bispos fundadores. Porquanto não somente Tomás de Aquino terá sido reintegrado em sua primazia de honra, mas também é uma segurança para a glória e a felicidade do futuro que toda ciência em torno do grande Doutor será novamente ensinada conforme o espírito que a animava. E quanto à onça de ouro mensal, inscrita propositalmente na placa de mármore, a história dirá também: que, na ausência de uma mão real para garantir isso, havia, em tempos difíceis, a devoção principesca dos homens da elite, agrupados sob o modesto nome de Sociedade civil: ao lado deles, a generosidade inesgotável de milhares de benfeitores; e enfim, da vossa parte, senhores, a serena e inalterável confiança n’Aquele que dizia, mostrando um humilde lírio do vale: “E porque vos inquietais com o vestido? Considerai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam. Digo-vos todavia que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles” (Mt. VI 28-29).
I. A aquisição da Sabedoria e da Ciência
Salomão, segundo filho de Davi e Betsabé, porque veio ao mundo em plena paz, recebeu em seu nascimento o nome de Salomão, que significa Pacífico. Ele tinha a pele branca e vermelha; os cachos dos seus cabelos eram flexíveis como as folhas das palmeiras; seus olhos, doces como os das pombas: ele era belo como os cedros e foi comparado ao Líbano4! Por mais magníficas que fossem as vantagens exteriores do príncipe, elas eram em muito superadas pelas nobres qualidades de seu espírito e de seu coração.
Em todos esses aspectos, Tomás de Aquino não é inferior. Sobrinho por parte de pai do imperador Frederico Barbarossa, o jovem senhor pertencia, por parte de mãe, à linha dos famosos normandos Roberto e Rogério Guiscardo, que, vindos das frias terras do norte, traçaram, com a ponta de suas espadas, um reino sob o belo céu de Nápoles. Parecia que o céu mesmo fora refletido por inteiro na alma de Tomás de Aquino, pois tanto nas suas considerações brilhava a inteligência quanto em seus lábios era destilada a verdade!
Maravilhosamente dotados pela natureza, na aquisição da sabedoria e da ciência ambos foram dotados sobretudo pelas complacências da graça. Tão logo Salomão nasceu, foi visitado em seu berço por Nosso Senhor, por meio do profeta Natã. Em tal circunstância, recebeu um segundo nome de grande significado: Jedidias, ou Amável ao Senhor5. O que este bem amado a partir de então não poderia esperar d’Aquele que o ama?
E, quanto a Santo Tomás de Aquino, quando ainda estava na barriga de sua mãe, um venerável ermitão chamado O Bom, mas melhor ainda por sua piedade, diziam as crônicas, aproximou-se da virtuosa condessa, anunciou-lhe que ela daria à luz uma criança cuja ciência e santidade seriam tais, que ninguém em seu século lhe poderia ser comparado; e depois acrescenta: vós o chamareis Tomás6. Ora, esse nome, na língua hebraica, significa profundidade ou abismo. Todo o futuro da criança fora desvelado nessa palavra!
Mas, senhores, por mais predisposta que seja pelas qualidades naturais e até mesmo por dons sobrenaturais, é uma lei da nossa natureza caída que faz com que não cheguemos à aquisição da sabedoria e da ciência se não formos previamente ensinados, “a fim de que não seja dito que alguém é gênio por si mesmo, mas sim que foi discípulo antes de ser criador”7. Submissos então a essa lei da humildade e do desenvolvimento, Salomão e Santo Tomás de Aquino foram, não obstante, privilegiados pela Providência, visto que o preceptor do príncipe hebreu não foi outro senão esse notável homem já nomeado, o profeta Natã em pessoa, célebre por suas visões messiânicas e sua qualidade de historiador8.
E talvez mais favorecido ainda fora Tomás de Aquino; a época em que viveu, sendo tão ávida de ciência que não se hesitava em pedi-la, ao custo de longas viagens, a todos os mestres de nome. Chegaram a levar seu zelo ao ponto de permanecerem discípulos, às vezes até a velhice, tal como testemunham dois versos de charmosa inocência, atribuídos à pluma de um velho aluno desses séculos cujo saber era tão grande quanto sua fé9:
Tont ton vivant, tu n’as fait autre chose
Que ta personne toujours tenir enclose.
Foi primeiro em Monte Cassino, junto dos filhos de São Bento, e depois na Universidade Real de Nápoles, onde vestiu o hábito de São Domingos, que Santo Tomás viu sua pessoa cercada desses mestres. Mas o verdadeiro pai de sua inteligência, aquele que a Divina Providência lhe havia reservado como um mestre à parte, ele o encontrou em Colônia, Alemanha; saudai seu nome com vossos louvores, senhores: Santo Alberto Magno!
Não se pode duvidar de que Salomão e Santo Tomás de Aquino eram devedores de tão eminentes preceptores, depois de Deus, pelo esplêndido florescimento das suas ricas faculdades e pelo entusiasmo com o estudo que encantou e apaixonou os seus primeiros anos. A generosidade deste entusiasmo e a abnegação desta busca da verdade revelaram-se nas famosas respostas de cada um deles:
A ocasião se deu em Gabaon, na tribo de Benjamin. Salomão tinha ido lá para sacrificar diante do tabernáculo do deserto, ainda nessa cidade10. A cerimônia foi magnífica. Na noite seguinte, Javé lhe apareceu em sonho e disse ao jovem príncipe: “Pede-me o que quiseres que eu te dê”. E Salomão, se recuperando da surpresa, responde: “Tu, pois, concede ao teu servo um coração inteligente, para poder julgar o teu povo e discernir entre o bem e o mal”11.
Do gracioso planalto de Gabaon, eis-nos agora em uma cidade já grande. Trata-se da Paris do século XIII, com seu encadeamento de tetos, hotéis, ruas, pontes, praças, pináculos, campanários, enfim, um tumulto de edifícios; com sua velha ilha da Cidade em forma de navio, ou melhor, de abóbada, e Notre-Dame se destacando orgulhosamente com sua imensa abóbada e suas sólidas torres. Dois religiosos, de hábito branco, atravessam, nesse momento, as ruas da cidade, maravilhados com o espetáculo que se dá diante de seus olhos. Um, ancião venerável, é João o Teutônico, superior geral dos Irmãos pregadores, e o outro, jovem noviço que o acompanha, é Tomás de Aquino. De repente, o ancião, interrompendo sua caminhada: O que daríeis, irmão Tomás, para ser o rei e senhor dessa grande cidade? — Mais do que essa cidade, eu preferiria, responde o noviço religioso, os comentários de São João Crisóstomo ao Evangelho de S. Mateus12.
Quanto me agrada ouvir essas duas respostas, senhores! Que caráteres elas denotam!
Quem ousaria afirmar, neste nosso século, todo decorado como é pelo título de século das luzes, que pode ouvir essas respostas e encontrar tais caráteres? Ah! eu antes vejo mãos que se dirigem ávidas em direção ao círculo de ouro de nome diadema; ou, ao menos, para ficarmos nos limites das ideias atuais, ouço inumeráveis vozes que se pronunciam em favor dos prazeres e que optam pelo dinheiro... Mas Salomão se pronuncia em favor da sabedoria. E ao desejar um comentário do Evangelho, é também para ela e para a ciência que se dirige Tomás de Aquino...
O Senhor não podia se deixar vencer:
“Visto que esta foi a petição que me fizeste, visto que não pediste para ti nem longa vida, nem riquezas, nem a morte de teus inimigos, mas pediste a sabedoria a fim de discernires o que é justo, vou satisfazer o teu desejo: dou-te um coração tão cheio de sabedoria e de inteligência, que nenhum antes de ti te foi semelhante, nem se levantará outro depois de ti. Além disso, dou-te também o que me não pediste, a saber: riquezas e glória em tal grau, que não se encontrará rei semelhante a ti, durante toda a tua vida”13.
Caríssimos, a semelhança de resultados estabelecerá que essa resposta de Deus ao pedido de Salomão será renovada sobre os desejos de Santo Tomás.
II. O esplendor da plenitude
A promessa de Deus foi cumprida.
Salomão e Tomás de Aquino seguiram sendo únicos, pois sua sabedoria e ciência apresentavam, em grau eminente, três qualidades que raramente andam juntas nesta vida.
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