A Revolução Francesa e a emancipação judaica, por Pierre Hillard
Parte 3 da série “Globalismo: uma longa história”

Esta é uma série de textos. Para ver as partes anteriores, clique abaixo:
Parte 1 – As raízes do globalismo
Parte 2 - O papel do judaísmo na história mundial
Dizemos que a Revolução Francesa, em setembro de 1791, emancipou o povo judeu. Com efeito, a cidadania lhes foi concedida com plenos direitos. Mas, na verdade, temos de ser francos: a primeira pessoa a abrir essa porta foi o rei Luís XVI. Em 1775, ele naturalizou um judeu alsaciano chamado Cerf Beer, e eu tenho a carta de naturalização que Luís XVI escreveu para esse Cerf Beer, que era o responsável pelo fornecimento de alimentos para os exércitos reais no leste da França. Cito a carta de naturalização de Luís XVI:
“Desejando dar ao Sr. Cerfbeer [n.d.a. o rei escreveu assim] um testemunho especial da satisfação que temos pelos serviços que ele prestou e continua prestando a Nós, com tanto zelo e inteligência quanto desinteresse e probidade. Por essas razões, e por nossa graça especial, Nós concedemos ao referido Cerfbeer e a seus filhos nascidos ou a nascer em casamento legítimo os mesmos direitos, faculdades, isenções, vantagens e privilégios desfrutados por nossos súditos naturais ou naturalizados. Consequentemente, permitimos que o referido Cerfbeer adquira por compra, doação, legado, herança ou de outra forma detenha e possua em nosso reino todas as propriedades, móveis e imóveis, de qualquer natureza.”
Dado em Versalhes, no ano de Nosso Senhor de 1775, no mês de março, assinado por Luís.1
O rei Luís XVI violou as promessas feitas em sua coroação em Reims, onde os monarcas franceses tradicionalmente juravam erradicar as heresias do reino. Independentemente de julgamentos contemporâneos sobre tal compromisso, essa era inegavelmente a mentalidade e o compromisso oficial da época.
Assim, a naturalização concedida a Cerf Beer, um judeu, constituiu uma clara contradição com as leis fundamentais do reino da França, que prescreviam o combate às heresias. Essas leis estabeleciam que os judeus não podiam ocupar cargos públicos e nem adquirir propriedades agrícolas ou imobiliárias.
Essa naturalização foi deliberadamente mantida em sigilo, pois Luís XVI tinha plena consciência de que ultrapassava os limites legais estabelecidos. As propriedades que Cerf Beer adquiriu em Estrasburgo foram registradas sob um nome fictício, utilizando como intermediário um aristocrata francês, de la Touche, tenente geral dos exércitos do rei, que serviu como testa de ferro para obter esses imóveis, embora na realidade eles fossem destinados a Cerf Beer.
Após o falecimento do tenente, Cerf Beer compareceu perante os magistrados da Alsácia, aproximadamente em 1785, reivindicando a devolução de suas propriedades. Os magistrados ficaram atônitos, replicando que Cerf Beer era judeu. Este respondeu afirmativamente, mas declarou ter sido naturalizado por ordem de Luís XVI, revelação esta que causou ainda maior consternação entre as autoridades.
As leis do catolicismo e o status dos judeus na França pré-revolucionária
O catolicismo, como religião oficial do Estado francês, permeava inevitavelmente toda a estrutura social da França. A mentalidade predominante da época, que considerava os judeus como deicidas, refletia-se diretamente nas ações políticas e administrativas do reino.
Em 1784, Luís XVI promulgou 25 artigos de cartas-patentes destinadas aos judeus da Alsácia. Dentre estas disposições legais, destacam-se algumas particularmente reveladoras do status jurídico diferenciado imposto à comunidade judaica:
O artigo 6 estabelecia: “proibimos expressamente todos os judeus que atualmente residem na Alsácia de contrair qualquer casamento futuro sem nossa permissão expressa”. Notavelmente, tal restrição não se aplicava aos súditos católicos franceses, que não necessitavam solicitar autorização real para matrimônio.
O artigo 7 proibia os judeus de empregarem servos cristãos, reiterando o princípio das bulas pais Sicut Judaeis, que foi reafirmado também no artigo 8: “Portanto, nós os proibimos de empregar servos cristãos, seja para administrar essas fazendas ou para cultivar esses vinhedos e terras”.
É importante destacar que existiam distintas comunidades judaicas na França: os judeus da Alsácia-Lorena, os judeus de Avignon, e aqueles estabelecidos em Bayonne e Bordeaux. Entre estes últimos, alguns conversos (marranos) haviam conseguido, com maior ou menor grau de dissimulação, adquirir propriedades rurais e urbanas.
Contudo, excetuando casos muito específicos, tais aquisições eram expressamente vedadas. O artigo 11 proibia categoricamente “que qualquer judeu adquira, em seu próprio nome ou no de qualquer outro indivíduo, seja por compulsão de venda voluntária, seja por adjudicação, seja por meio de título cessão, em pagamento de anuidades ou extinção de capital, qualquer imóvel, sem dúvida terra, edifícios, de qualquer tipo, mesmo sob a condição de revendê-los dentro de um ano”. Evidencia-se, assim, que os judeus da Alsácia estavam legalmente impedidos de possuir terras ou edificações.
Por que isso acontecia? Vou citar do Padre Lémann um trecho que responde a esse artigo:
“Os judeus, quando possuíam a Palestina, não reconheciam o direito de qualquer pessoa, de qualquer nação e de qualquer religião de adquirir a menor parcela do território sagrado. A Lei de Moisés jamais teria autorizado um filho de Israel a vender seu campo a um estrangeiro. Portanto, não é de surpreender que os católicos, que por sua vez se tornaram o povo de Deus, tenham protegido seu território excluindo os judeus de adquiri-lo, assim como os judeus protegeram sua Terra Santa excluindo as nações de possuí-la. Foi somente em 1789 (...) que os judeus começaram a se queixar e a clamar por injustiça. Por que eles fizeram isso? Porque até então um novo direito público, o direito humanitário, os direitos humanos, teria substituído o direito cristão. Uma imprudência que permitirá que os judeus se tornem proprietários e invadam o patrimônio do povo cristão a seu bel-prazer (...). Luís XVI foi extremamente prudente, extremamente político, quando determinou que os judeus permaneceriam excluídos da posse do solo da França, que pertenceu a Cristo. Proibir que eles adquirissem o solo era salvaguardar a França como um país católico”.2
Essas foram as leis católicas pré-1789. Pode-se apoiar ou se opor às consequências, mas foi assim que aconteceu.
Agora vou citar outro artigo. É o artigo 11. As pessoas podem ter suas próprias casas e jardins. Em outras palavras, os judeus podiam ter sua casa e um pequeno pedaço de terra a modo de jardim, mas em nenhuma circunstância como terra agrícola. E, para combater a usura, o artigo 14 dizia: “No futuro, os judeus não poderão firmar contratos com nenhum de nossos súditos, seja para empréstimos de dinheiro ou para a venda de grãos, e outros objetos de qualquer espécie, exceto por escritura executada perante um notário”. Portanto, ainda havia medidas católicas em vigor.
O reino da França, nascido do batismo de Clóvis, e que desapareceu com a Revolução de 1789, passou a ter, para usar a expressão dos arquivos israelitas, “um caráter hebraico muito pronunciado”.
Sobre a A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, gostaria de lembrar aos senhores que o preâmbulo foi escrito sob os auspícios do ‘ser supremo’, que, na Cabala, é chamado de Ein Sof. Assim, de fato, por mais de dois séculos, a França tem se baseado em um princípio cabalístico.
A Revolução eclodiu em 1789 e houve 14 tentativas de conceder a cidadania francesa aos judeus. As tentativas fracassaram e passou-se para a décima quinta tentativa, que foi bem-sucedida. A tentativa estava prestes a fracassar quando os deputados, incluindo Adrien Duport, mudaram a maré e disseram o seguinte. Foi em setembro de 1791, e cito Duport:
“Acredito que a liberdade de culto não permite mais que se faça qualquer distinção entre os direitos políticos dos cidadãos com base em suas crenças. A questão da existência política dos judeus foi adiada; no entanto, turcos, muçulmanos, homens de todas as seitas são admitidos a gozar de direitos políticos na França. Peço que o adiamento seja revogado e que, consequentemente, seja decretado que os judeus gozarão dos direitos de cidadãos ativos na França.”3
Isso abriu a porta para outras populações pertencentes a outras denominações religiosas em 1791. E, francamente, não vejo o que há de ofensivo, degradante ou insultante em dizer que, uma vez que concedemos plenos direitos aos judeus, ou seja, direitos idênticos aos que os católicos franceses tinham em 1780, não poderíamos negá-los a budistas, muçulmanos, xintoístas e animistas. Se se cede a um, não se poderá dizer não aos outros. Afinal de contas, a Revolução tem uma visão universal do homem onde todos se beneficiam dela.
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A República universal
Agora vou dar aos senhores algumas citações de um revolucionário chamado Anacharsis Cloots. Na verdade, o que os franceses não entenderam, pelo menos os patriotas franceses – que não são muitos – é que todo o programa foi elaborado por esse revolucionário Anacharsis Cloots, que não fez nada além de dar uma forma palpável ao pensamento revolucionário. Além dos aspectos anticatólicos, há um desejo de estabelecer um governo mundial, que não tem o nome de governo mundial, mas sim “república universal”. Em meu livro, Atlas du mondialisme, temos a França dividida em quadrados [N.d.T.: vide começo do artigo], mas por razões práticas eles arredondaram os ângulos na medida em que atendia aos ideais tecnocráticos:

Ademais, gostaria de lembrar aos senhores que quem defende a integração na verdade defende o globalismo. E globalismo significa desenraizamento. E quando a França é divida inorganicamente em quadrados isso significa que ela é desenraizada, quer você more no setor oeste, leste, central, no sul... Você trabalha, paga impostos, etc., mas nada aí faz sentido, pois você está desenraizado.
Pois bem, Cloots defende essa mesma visão de desenraizamento em escala planetária, com um mundo dividido em blocos continentais onde, segundo ele, a Europa, a África, a Ásia e a América se unirão na vasta e feliz cidade da Filadélfia. Essa é uma visão muito esotérica, com um governo mundial e uma república universal dividida em mil compartimentos departamentais. É uma tecnoestrutura desenraizada.
O revolucionário Anacharsis Cloots nos lembra do papel do mundo judaico na Revolução Francesa. Portanto, gostaria de deixar claro que, se os senhores quiserem ver todos os escritos de Cloots, eles estão publicados pela editora Omnia Veritas, sob o título La République universelle du genre humain, onde os dois livros estão combinados em um só, e lá pude publicar os originais, porque em todos os livros de hoje as passagens um pouco embaraçosas foram removidas ou censuradas. Eu me coloquei no dever de restaurá-las, inclusive esta passagem que havia desaparecido, onde Cloots escreve, e cito:
“Também encontraremos auxiliares poderosos e apóstolos fervorosos nas tribos judaicas, que consideram a França como uma segunda Palestina. Nossos concidadãos circuncidados nos abençoam em todas as sinagogas do cativeiro. O judeu, degradado no mundo, tornou-se um cidadão francês, um cidadão do mundo por meio de nossos decretos filosóficos [era 1791]. Essa confraternização alarma muito os príncipes alemães; ainda mais porque a guerra não poderia começar nem durar, na Alemanha, sem a atividade, a inteligência, a economia e o dinheiro dos judeus. As lojas e munições de todos os tipos são fornecidas por capitalistas hebreus, e todos os agentes subordinados de suprimento militar são da mesma nação. Tudo o que preciso é de um acordo com nossos irmãos rabinos para produzir efeitos surpreendentes e milagrosos.”4
Foi isso que nos foi escondido. Coloquei como dever restabelecer a verdade histórica, e a isso acrescente-se o desejo de Cloots de incentivar a imigração:
“O estrangeiro! Uma expressão bárbara que nos faz começar a corar (...). Vemos em Paris, em Londres, em Madri, em Amsterdã, um persa, um indiano, um chinês, um peruano, um turco, um cafre, um armênio defendendo sua causa. Na Europa, discutem-se os interesses de um antípoda; e duvidar-se-á que uma assembleia representativa dos dois hemisférios possa existir para a felicidade permanente da humanidade. Não conheço nenhuma barreira natural, exceto entre a terra e o firmamento (...) Exijo a supressão do nome francês.”5
Então chegamos ao século XIX, Napoleão I restabeleceu os princípios de 1789. Além da França, em 1791, a naturalização dos judeus também se estendeu à Prússia em 1812, à Bélgica em 1830, ao Reino Unido em 1858, à Itália em 1861 e à Rússia em 1917.
Continua...
Pierre Hillard. Archives du Mondialisme : De la guerre contre L’Ancien et le Noveau Testament. Ed. Nouvelle Terre, p. 156.
Ibid., p. 158.
Ibid., p. 175.
Ibid., p. 177.
Ibid., pp. 178-179. Com as últimas notícias sobre a União Europeia querer estabelecer um estado federal europeu, estamos cada vez mais próximos disso.